Causo Minuto: A Virgem de Olinda

18/02/2012 03:51 - Welton Roberto
Por Welton Roberto

Mais Caxias que o Duque, o Genivaldo passou seus 45 anos bradando contra o carnaval, “orgia de gente descarada, despudorenta e desavergonhada da cara safada”.

Coitada da Lucinha, a esposa.

Mais nova, aos 35, na flor da idade e da fuselagem: pernas torneadíssimas, bronzeado a mil, mesmo que de maiô já que biquíni era coisa de “mulher espetaculosa” segundo o marido.

Corpinho sarado e bem cuidado após um filhinho, porém sempre coberto de muito pano por exigência do esposo cruel, a beldade vivia a suspirar e a sonhar com o frevo e com a libertinagem.

Ela, foliã nata, lembrava com saudades os tempos de Barra e Paripueira na infância, e de Olinda na adolescência e juventude, a qual ainda gozava em carne e espírito, para desespero do machão que mantinha a mulher a sete chaves.

Em Olinda, então, era desmantelo. Das mais fogosas ela era só a quatro paredes, na rua se comportava e era mulher de fino recato, mas no carnaval olindense ela beijava... e muito!

A cada ladeira, era um amor de folia. E era faminta a gazela.

Branco, preto, azul, lilás, garanhão ou eunuco, voz grossa ou fina, tonelada ou meio quilo, não importava o calibre. Teve testoterona, ganhava bitoca e “amulegada” da morena lábio de mel, mãos de seda e .... ah, deixa prá lá!

Todavia, em 10 anos de casório, todo fevereiro e março era assim: Genivaldo trancafiava metaforicamente a mulher e partia para o retiro espiritual.

Deixava a mãe em casa tomando de conta e rumava para fazenda lá paras as bandas de São Bento do Una, Pernambuco.

Dizia fazer oração no campo com grupo de “pai de família decente”. Justificava que cuidaria de granja nos dias de folia famigerada e anticristã. Afirmava passar do sábado de Zé Pereira à terça-feira gorda em reflexão, autoflagelo, em meio a galináceos, ovos e pastos agrestes, em concentração sem mulher nenhuma, só com homem temente, de bem e fiel. Que nem ele.

Uma benção!

Para Lucinha, sobrava a solidão, a tristeza, a televisão e a sucuri, digo, a sogra.

Naquela sexta pré-festa, a mesma rotina da década.

Genivaldo encheu mochila de treco, beijou a testa da santinha esposa, pegou terço, livro de salmo, patuá e saiu de casa. Carnaval de luz espiritual no retiro na terra das galinhas, só com reza e pedido de paz no mundo.

Segunda de carnaval, flash da TV Globo, repórter Francisco José direto do Pelourinho relata o falta de freio de boca no carnaval da Bahia. E Lucinha a assistir, e a salivar.

A cada acorde do axé, imãs de beiços se acionavam. Era um enrosco de língua só. Haja bafo esterilizado e saneado com cerveja e cachaça!

E folião com foliã não faltava na imagem exibida em cadeia nacional. Inclusive um safadoso de careca conhecida, que chamou a atenção pela protuberância da barriga, pela careca brilhante, pelo estado de euforia indescritível, pelo elevado nível de embriaguez e, em especial, pela negra retinta de dois andares com traseiro de humilhar a mulher melancia que se esfregava em seu “timbal”.

Cheio de pintura tribal branca feita com pontas de dedos negros, o galã estava apaixonado e doidão.

Levantava os bracinhos, agarrava a escultura de baiana e era uma alegria só a cantar: “... eu quero te namoraaaaar amooooor... quetí bandê, quetí bandêêêê...”

Foi a senha para a revanche.

Deu tempo da traída de pegar o primeiro Real Alagoas, descer no TIP e partir para as ladeiras da centenária, antiga e eterna capital simbólica do Recife.

O Bacalhau do Batata ganharia naquele ano uma nova “virgem” de Olinda.

Dizem as más e também as boas línguas que até o Homem da Meia-Noite foi convocado para tirar do atraso a morena saudosa da marchinha e de fornicação de leve, fantasiada de Pintinho Amarelinho, com shortinho minúsculo a mostrar mais que as partes, mais que as penas.

A partir daquele ano, para ambos, nunca mais o carnaval foi o mesmo.

E a penitência anual do santo homem passou a ser estimulada em família pela santa esposa. 

 

 

Na folia e no twitter: @weltonroberto

 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..