O soar do velho clarín do Ras Gonguilla anunciava que o bloco Cavaleiro dos Montes estava na área e que era preciso abrir passagem nas ruas nos quatro dias de folia de Momo, nas tardes daquela velha Maceió dos longínquos anos 20.

Ras Gonguilla era o apelido de um engraxate, negro, alto, magro, autêntico folião, nascido na Rua do Macena, no centro da cidade, e fundador de um dos mais tradicionais blocos carnavalescos que sobrevive até os dias atuais.

A expressão “Ras” é um título real oriundo da Etiópia que designa um guerreiro. “Já o Gonguila é um apelido de família que deram ao fundador do bloco, o Benedito Santos”, informa o professor e sociólogo Sávio de Almeida.

O bloco foi inspirado nos cowboys e fundado no dia 16 de setembro de 1913, com sua primeira sede situada no bairro do Farol e, em função disso, é, atualmente, o mais antigo bloco ainda em atividade de que se tem notícia no carnaval da capital.

O Cavaleiro dos Montes é anterior – segundo citação de Bruno César Cavalcanti, antropólogo e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) - à ocupação residencial de áreas a partir dos anos 1920, que se tornaria os atuais bairros denominados por Ponta Grossa, Cambona, Trapiche, Pontal da Barra, Prado, Ponta da Terra, Mutange e outros.

É então chegada a Era de formação de clubes e blocos carnavalescos de grande popularidade e que fariam história na cidade. “É também o aparecimento de uma massa urbana expressiva”, acrescenta Cavalcanti. Essa época delimita terreno de um carnaval de disputas oficiais “quentes” de rua na capital.

“Foi mais ou menos nesse tempo aí que se iniciaram as disputas acirradas e a grande rivalidade entre os clubes, como eram conhecidos os blocos daquela época. O nosso maior rival nesse tempo foi sem dúvida o Cara Dura, era uma rivalidade como CSA e CRB no futebol”, conta o atual presidente do Cavaleiro dos Montes, Paulo Jorge Jerônimo.

Jerônimo relembra ainda que o Cavaleiro dos Montes nos tempos áureos chegou a ter duas sedes - uma no bairro do Farol e depois uma filial no bairro de Ponta Grossa. E revela o porquê da expansão do poderio do bloco de Gonguila.

“A razão para essa disseminação do nosso bloco foi porque o Gonguilla tinha uma amante por essas bandas da Ponta Grossa e resolveu ampliar suas bases com outra sede”, complementa o presidente.

Nos tempos das “vacas gordas”, acrescenta Jerônimo, nos dias de folia o Cavaleiro dos Montes saía do Farol, na altura de onde hoje está situado o Hospital Portugal Ramalho, atravessava o centro comercial de Maceió como passagem obrigatória e seguia até o bairro de Ponta Grossa.

“Era uma multidão fiel ao nosso bloco que não dá nem para dizer quantas mil pessoas o seguiam”, completa Jerônimo, ao destacar que o bloco saía com uma orquestra de 15 músicos. “O Gonguila tocava clarín e, com ele, costumava tocar para anunciar ao povo que a folia iria começar”, diz.

Nesse tempo, os blocos saiam invariavelmente às 17 horas e só paravam perto das 23 horas para que os músicos fossem tocar nos clubes, época áurea para instituições carnavalescas tradicionais como o Clube Fênix Alagoana, Jaraguá Tênis Clube e o Clube Portuguesa.

Atualmente, com dificuldades financeiras para fazer o carnaval, o trajeto do Cavaleiro dos Montes se limita a circular somente pelos bairros de Ponta Grossa, onde fica a atual sede, e Vergel do Lago, e não tem mais que oito músicos na orquestra.

“Nosso bloco deixou de fazer a prévia do carnaval, o Banho de Mar à Fantasia, por exemplo, justamente por não concordar da forma como é feito o carnaval de Maceió hoje”, lamenta o presidente da agremiação.

Na época em que Gonguila ainda estava à frente do Cavaleiro dos Montes o bloco chegou a faturar 26 carnavais de rua de Maceió, com a rivalidade à flor da pele com o Cara Dura e depois, em menor grau, com o Sai da Frente.

Depois da morte do fundador, velho brincante e folião após um ataque cardíaco fulminante, em 1968, o máximo que o bloco levou foram quatro vice-campeonatos.