Entre o colorido de poltronas, sofá e da rede vinda de Cuiabá na sala do seu apartamento, em frente à praia do Leblon, no Rio, Betty Faria (70) caminha e repassa o texto do monólogo Shirley Valentine, com direção de Guilherme Leme (49). Aos 46 anos de carreira, essa foi a maneira que a atriz encontrou para tentar ficar um pouco mais tranquila antes de reestrear a peça, na terça-feira, dia 7, no Teatro Clara Nunes, Rio. Na primeira temporada carioca, de março a maio deste ano, a montagem foi sucesso de crítica e de público. "Tenho acordado com dor de cabeça e a pressão fica alta. Achava que isso era maluquice minha a essa altura da vida, mas quando descobri que o meu grande ídolo, a diva Bibi Ferreira, também tem o mesmo comportamento, relaxei", entrega a estrela, que garante repetir as falas do espetáculo bem baixinho para não incomodar os vizinhos.

Recuperada da torção do joelho, sofrida em outubro passado durante os ensaios, Betty prefere continuar a hidroterapia para fortalecer os músculos e conseguir encarar sem contratempos os 70 minutos em cena. "Tem de ter disposição", afirma a atriz, complementando os exercícios da água com alongamento no camarim. Mas o seu ritual por trás das cortinas não para por aí. Ela também faz exercícios de voz e repete mantras budistas ao lado da equipe. "É para dar sorte e saúde", explica a estrela.

- Por que tanto nervosismo?
- Não sei explicar. Sempre antes de entrar em cena, eu fico desse jeito. Mas dizem os meus colegas que isso é normal para quem investe emoção naquilo que faz. Talvez seja medo de errar e me frustrar...

- Shirley tem seus sentimentos adormecidos, sofre com a solidão depois do casamento, mas consegue dar a volta por cima. Já passou alguma vez por isso?
- Sempre fui muito intensa em tudo, rebelde mesmo, logo não permiti que acontecesse comigo. Nunca deixei que me botassem um cabresto. Sou adepta da filosofia de que dá para transformar sempre o veneno em remédio.

- Você age mais com a emoção do que com a razão?
- Na minha vida, sempre fui muito 'coração', mas também bastante pé no chão.

- Então, pode contar algum momento de sua vida em que acabou deixando o seu coração falar mais alto que a razão?
- Claro, são inúmeros. Deixei de fazer um trabalho de sucesso na televisão por decidir atuar em um filme que mexia com o meu coração. Nem pensei em dinheiro na hora. A Shirley também é um exemplo disso. Eu e o Guilherme Leme iniciamos o trabalho da montagem com bastante modéstia, éramos uma equipe pequena. Tudo porque me apaixonei pela história. E o espetáculo acabou se transformando em um sucesso.

- E na vida pessoal você também é guiada pela emoção?
- Por questões íntimas, eu também já abri mão de fazer um papel. Na verdade, sou intensa no dia a dia com os meus netinhos, Giulia, os gêmeos Valentina e João Paulo e Antônio, e com os meus filhos, Alexandra e João. Eu adoro compartilhar o cotidiano com cada um deles. Mal comparando, sou a dona pata com os seus patinhos. (risos) Como os meus pais já faleceram, sou eu e eles, somente. É o meu afeto pela minha pequena família que me alimenta.

- Você se considera muito permissiva com as crianças?
- Sou a vovó rock and roll. (risos) Converso, falo bobagem, mas também dou limite aos meus netos. Não tem como ser diferente, o mundo tem suas regras. Não paro de fazer coisas com eles. Outro dia os levei ao teatro.

- E não cansa ser tão ativa?
- Muitas vezes, sim. E quando isso acontece, fico no quarto vendo novelas, por exemplo. Quando não tenho compromisso, adoro curtir a minha casa, é o meu paraíso. Depois do almoço, gosto de pegar um travesseiro, deitar na rede, ver o mar. É uma delícia. Esse era um desejo que tinha desde muito cedo e consegui realizar.

- Nesses momentos também dá uma trégua nos afazeres relacionados com a profissão?
- Mais ou menos. Porque penso em projetos, leio, vejo filmes.

- Apesar de ter feito 36 trabalhos na TV, você é sempre lembrada pela personagem Tieta, na adaptação da obra de Jorge Amado. Isso a incomoda?
- Imagina... Realmente, marcou mesmo. Acho maravilhoso o reconhecimento do público. Tenho gratidão pelas pessoas que admiram a minha carreira. Tenho fãs de todas as idades.

- E você credita a diversidade de público ao espírito jovem?
- Acho que é porque faço o meu trabalho com bastante amor.

- Isso significa que não vai parar de trabalhar tão cedo?
- Se eu pendurar as chuteiras, vou acabar morrendo. Muitas vezes, quando tenho as minhas tristezas, os meus problemas, é uma briga diária para manter o altoastral. Só que quando estou prestes a entrar em cena, a magia acontece. Baixa um santo. (risos) Todo desânimo passa, não há mais dores. É só sair do palco que tudo volta. Em casa também sou ativa. Observo se a cozinha está funcionando, como está a arrumação da casa. Mudei a decoração por causa dessa rede. Eu tinha móveis mais formais, até bem bonitos, mas quis dar uma repaginada.

- Como vai a sua vida afetiva, você está solteira?
- Eu sou solteira.

- Está à procura de um amor?
- E eu lá sou mulher de procurar alguém? Mas tudo pode acontecer. De repente, viro uma esquina e esbarro com alguém...