Camponeses e camponesas Sem Terra do Estado de Pernambuco conquistaram uma vitória na luta pela efetivação dos Direitos Humanos e em defesa da Reforma Agrária. A mensagem: “Reforma Agrária: Esperança para o campo, comida na sua mesa” encontra-se em 21 outdoors espalhados por todo o estado, desde ontem (dia 28). A mensagem foi publicada após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pela Associação dos Militares Estaduais de Pernambuco (AME), antiga AOSS e a empresa de outdoors Stampa.


O TAC é fruto de mediação promovida pelo Ministério Público de Pernambuco e se deu em decorrência da veiculação massiva de propagandas de cunho difamatório e preconceituoso contra Sem Terras, promovida pela antiga AOSS, no ano de 2006, no Estado. Ainda de acordo com o TAC, a Associação também terá que publicar retratações públicas aos sem terra no jornal de circulação interno(a) aos membros da associação - e que chega também aos quadros da Policia Militar e do Corpo de Bombeiros-, além de publicar também na página eletrônica da Associação.

Hoje pela manhã (dia 29), as entidades de Direitos Humanos que acompanham o caso, representantes do Ministério Público do Estado, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de trabalhadores e trabalhadoras rurais, estiveram presentes no Ministério Público de Pernambuco para uma coletiva de Imprensa sobre o caso. Na ocasião, Dr. Westei Conde y Martin, da promotoria de Direitos Humanos do MP ressaltou que a medida que garante o Direito de resposta aos Sem terra que foram criminalizados é inédita em todo o Brasil. Para Adelmir Antero, da Direção Estadual do MST, a medida é um fato histórico para a luta dos trabalhadores e trabalhadores rurais e que esta retratação é para todos aqueles que vem sendo massacrados há mais de 500 anos no país. Ainda durante a coletiva, o Padre Thiago Thorlby, da CPT reforçou que “a verdadeira propaganda dos camponeses e camponesas está todos os dias em nossa mesa, no almoço e jantar. E enquanto os camponeses produzem alimentos, o Governo destina bilhões ao agronegócio que mata, explora e expulsa o povo de suas terras”.

O instrumento judicial utilizado para firmar o TAC foi o da Ação Civil Pública e os outdoors com a mensagem de promoção e defesa dos direitos humanos e da Reforma Agrária tomarão as ruas do Recife e as estradas do Estado pelas próximas duas semanas. Para as organizações que acompanham o caso, espera-se que esta medida, além de garantir a retratação aos trabalhadores sem terra, possa estimular o dialogo com a população sobre a importância da luta pela efetivação dos direitos humanos e pelo acesso à terra no Estado, considerado um dos que mais concentra terras e promove violência no campo no Brasil, segundo dados do IBGE e da Comissão Pastoral da Terra.

Histórico do Processo
Durante os primeiros meses de 2006, a população do Estado de Pernambuco foi surpreendida com o início de uma ostensiva propaganda contra camponeses e camponesas Sem Terra, assinada pela antiga Associação dos Oficiais, Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar/Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (AOSS), a atual Associação dos Militares de Pernambuco (AME).

A antiga AOSS havia colocado nas principais vias públicas da cidade do Recife e nas rodovias do estado outdoors com a seguinte mensagem de conteúdo difamatório e preconceituoso contra trabalhadores rurais Sem Terra: “Sem Terra: sem lei, sem respeito e sem qualquer limite. Como isso tudo vai parar?”. A mesma mensagem foi reproduzida em jornais de circulação local, internet, além de emissoras de TV e rádio. Também foram publicados textos igualmente preconceituosos e difamatórios no jornal interno da Associação.

Em resposta à propaganda, entidades de defesa dos direitos humanos, como o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Terra de Direitos denunciaram o caso ao Ministério Público de Pernambuco. À época, as entidades protocolaram uma representação contra a antiga AOSS, afirmando que o Estado de Pernambuco é um local de extrema tensão agrária e a campanha publicitária, de criminalização da luta legítima dos trabalhadores rurais sem terra, incitava os policiais militares a agirem de maneira violenta contra esses camponeses, estimulando ainda mais o conflito existente no campo.

Além disso, o material publicitário veiculado ultrapassava os ditames da liberdade de expressão e manifestação, vez que, de conteúdo preconceituoso, atentava contra os princípios constitucionais, especialmente a dignidade humana, o direito à organização política e, acima de tudo, o direito de lutar por direitos. Após a denúncia, o Ministério Público abriu o procedimento de nº 06008-0/7 para apurar os fatos, o que desembocou no Termo de Ajustamento de Conduta citado.

As manifestações na luta pela Reforma Agrária fazem parte do exercício da cidadania em um estado democrático de direito, sendo legítima a forma de manifestação em sua defesa. O exercício do direito à mobilização, a fim de garantir direitos, mais especificamente o direito à terra, e de dar visibilidade aos pleitos sociais, mais que legítimo, é necessário para a real concretização da democracia, principalmente num estado como Pernambuco, em que problemas estruturais como a escravidão, o latifúndio e a privatização dos espaços públicos ainda estão presentes e não são enfrentados. Em Pernambuco, a concentração fundiária alcança o índice GINI de 0,8181, sendo grande parte dessas terras improdutivas. De outro lado, cerca de vinte mil famílias sem terra aguardam a efetivação da política pública de Reforma Agrária para garantir sua alimentação, seu sustento, sua dignidade.

De caráter amplo e estrutural, a Reforma Agrária garante o acesso e a concretização de outros direitos humanos, como o direito à moradia, à alimentação e ao trabalho. Além disso, são esses mesmos trabalhadores rurais, que lutam pela Reforma Agrária, os responsáveis pela construção da soberania alimentar do país: a esmagadora maioria dos alimentos consumido nas cidades vem da agricultura familiar e camponesa, inclusive de assentamentos de Reforma Agrária. Segundo dados do IBGE a agricultura familiar e camponesa é responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo.

Portanto, trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra, enquanto defensores de direitos humanos que são, mais que lutadores incansáveis pelo combate da desigualdade social (o que só é possível, dentre outras coisas, após uma profunda Reforma Agrária), são brasileiros e brasileiras, na luta pelo direito de viver com dignidade.


NOTA DE DESAGRAVO

(Publicada no Diário Oficial do Estado)

 

As Entidades de Direitos Humanos se preocuparam há muito tempo com a necessidade imposta a todos de respeito às minorias presentes no contexto multicultural do país e principalmente de Pernambuco, acreditando que essa diversidade, e os conflitos que sujam a partir dela, são elementos integrantes da história desse povo, de origens tão distintas e de resistências tão semelhantes.

 

Nesse processo histórico, observa-se que sempre foi um inconveniente ao grupo detentor do poder político e econômico a reivindicação dos negros pela liberdade e sua resistência nos quilombos, a presença de povos indígenas em grandes faixas de terras e a luta de camponeses pobres por terra e direitos.

Porém, todos esses fatos não podem ser apagados, esquecidos ou desrespeitados, pois fazem parte do natural conflito social na defesa de interesses e na luta por direitos, sendo incorporados à cultura local e parte fundamental do que é a sociedade posta hoje, com seus ganhos e suas carências. São, sem dúvida, patrimônios históricos e culturais pernambucanos e brasileiros.

 

Esses camponeses sem terra contribuem de maneira essencial para o processo histórico do Estado, transformando regiões e as compreensões das pessoas que não se alinham necessariamente as suas reivindicações, sendo elemento fundamental para a construção social da democracia, que está em permanente processo.

Com efeito, sem terra é parte da identidade cultural de uma imensa massa de cidadãos pernambucanos que precisam receber a proteção do Estado e o respeito de todos, posto serem parte do todo maior que é a cultura pernambucana.

 

Não se pode deixar de observar que os trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, como se identificam, estejam assentados ou não, sobrevivem num contexto fundiário em que, de acordo com o IBGE, as pequenas propriedades (com até 100 hectares) ocupam apenas 40,7% da área total do país. Enquanto as grandes propriedades (com mais de 1000 hectares) ocupam 43%. Essas pequenas propriedades citadas representarem 66% do total do número de estabelecimentos rurais, enquanto os latifúndios correspondem a apenas 0,91% desse total.

Apesar dessa imensa desvantagem, é nesses pequenos estabelecimentos que estão quase a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras. Embora a soma de suas áreas represente apenas 30,31% do total de propriedades, os pequenos estabelecimentos respondem por 84,36% das pessoas empregadas. Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos (com área inferior a 200 hectares) utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos.

 

São esses mesmo camponeses sem terra que arriscam suas próprias vidas para lutar pela Reforma Agrária, os responsáveis por garantir a segurança alimentar do país, gerando os produtos consumidos pelos brasileiros nas cidades. Os dados do IBGE apontam que a agricultura familiar é responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo.

Mais do que defender seus direitos contra o preconceito e o estigma negativo que lhes tentam impor, os trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra querem ter reconhecidos seus serviços prestados ao país, e mostrar que é pela defesa intransigente que fazem de seus direitos Constitucionais que a sociedade pode ter comida em sua mesa.

 

Assim, quaisquer equívocos e violações praticadas contra os cidadão sem terra deste país, é uma agressão a identidade cultural de um povo que essencial na construção de uma nação livre e soberana.