Se fecundação fosse decidida por voto, ele nem existiria.
Ainda bem para ele, um bebê se faz por resistência dos gametas masculinos, que não disputam a preferência do óvulo mediante votação, vencendo sim aquele que chega lá primeiro.
O espermatozóide 14.324.564, que deu origem a Marquinho dos Grudes, era bem abestalhado e lerdo.
Mas como o esperma número 19.242.435 escorregou e perdeu a chance de adentrar a célula sexual feminina antes de todos os milhares demais, o menino, fruto de gameta bocó, nasceu com miolo mole.
Miolo mole, mas predestinado a concorrer. Em seu DNA estava inscrito: seria eterno candidato.
Seria para sempre um “Highlander” do voto, guerreiro imortal das urnas.
Um “Chucky” das sessões eleitorais, brinquedo assassino do diabo que nunca se quebra.
Um “Mun-Há” dos mesários, ser eterno das trevas e dos Thundercats, manifestado nele como ente perpétuo nas zonas de votação.
Ao sair do hospital, sua mãe estranhou o choro compulsivo da criança herdeira dos Grudes. E este não era devido à gases, nem à dor de ouvido.
É que ainda no berçário Marquinho dos Grudes teve sua primeira derrota como candidato. Os demais recém-nascidos não o elegeram representante neonatal da maternidade. Venceu por 5 votos o Rafael, bebezinho com 2.350 gramas e bem espertinho.
Na infância, nova derrota.
Sua mãe o achava lindo! E como só as mães são felizes, mandou fotos do rebento dos Grudes para o concurso Bebê Johnson.
Que decepção! O júri elegeu a Marcela, menina de bochecha rosada e com carinha de anjo, deixando Marquinho Grudes revoltado.
No Jardim da Infância, mais tentativa. Laurinha, sua paixão precoce na escola, havia sido eleita Rainha do Milho.
Naquele São João não teria para ninguém.
Marquinho Grudes se candidatou a Rei do Munguzá.
Tinha todos os atributos, já que era amarelo como uma espiga de milho, seus olhos claros combinavam com a roupa de palha e seus “cambitos” finos não dariam trabalho na hora de ele se fantasiar de Rei pamonha.
Porém, outra derrota.
O eleito por voto de 23 professoras do Maternal ao Jardim III foi o João Pedro, menino sapeca que, na festa, acabou por conquistar o coraçãozinho de Laura.
A ira de Marquinho dos Grudes só crescia, raiva e rancor inato à toda a sua ancestralidade dos Grudes.
Mas ele havia de ser eleito um dia! Havia sim!
Na escola, todo ano, eleição para representante de turma. Em todas ele se candidatou. Em todas Marquinhos perdeu.
No 1º ano ganhou o Joca Leléu, traquina jogador de bafo, por 4 votos. Na 2º, por ampla maioria, venceu a Emilia queridinha da Tia Nélia, professora de Português. No 3º, 4º, no 5º, novas derrotas do nosso herói dos Grudes, sempre por placar vergonhoso. Na 7ª teve só o seu próprio voto e foi motivo de chacota em toda a escola.
Tentou ser escolhido coordenador do “racha” do ginásio também, mas perdeu para o Júnior Bolão, que teve voto até do “tio” da cantina.
Até a 8ª, foi derrotado em todas.
No antigo “científico”, já homem dos Grudes e mais maduro, seria sua vez. Aí perdeu nos três anos consecutivos a eleição para representante da classe.
Tentou chefiar a comissão de formatura, mas só teve três votos, já que tinha fama de enrolão e trambiqueiro.
Tentou ser eleito chefe da turma do jogo de “queimada”, mas preferiram, no voto da maioria plena, dar a vaga para o Artur, menino que impunha mais moral no grupo e já um aguerrido e respeitável semi militante adolescente da causa GLS.
Ficou um dos Grudes e maior de idade, filiou-se a partido político, queria ser presidente da Ala Jovem. Elegeram o filho do deputado Osmar Propina por 376 votos contra 2. O voto dele e um outro dado por uma moça míope, por engano.
Na faculdade, Marquinho dos Grudes candidatou-se a tudo: membro e coordenador de Centro Acadêmico, integrante discente de Conselho, chefe da comitiva a encontro estudantil em Fortaleza, responsável pela viagem de colação de grau a Porto Seguro. Monitor de disciplina, bolsista de pesquisa, puxa-saco de professor.
E sempre ficou de fora por força do voto.
Na colação de grau, a última cartada, seria orador. Daí, elegeram por unanimidade o Mauricio. Este tímido, gago e quase inaudível, mas queridíssimo da turma, antítese de um Marquinho dos Grudes invejoso e mal amado.
Como tinha filiação partidária, de dois em dois anos, eleições estaduais, federais ou municipais, exibia número e fazia campanha pedindo voto. O mais longe que o candidato dos Grudes chegou foi a 93º suplência na Câmara de Vereadores, quando disputou o cargo em cidade do interior.
Advogado e homem feito, casado e pai de filhos, agora, Marquinho dos Grudes teria mais moral com os eleitores. E ai começou nova sina. No sindicato, participou de chapa, derrotada mais uma vez.
Montou grupo próprio na outra eleição, com ele naturalmente na cabeça. Mais outra derrota fragorosa!
Tentou Federação, Confederação, membro titular, suplente, membro “rafaméia”, adjunto, coadjuvante e tudo mais. Era tão conhecido na categoria que mandaram plastificar sua ficha, para não terem que sempre preencher uma nova.
Mas nada feito, seu nome e sua natureza dos Grudes não atraia voto!
Tudo bem, ainda tinha a CIPA. Candidatou-se, ficou em terceiro. Tinha a comissão de estudo do PCC da categoria. Foi suplente.
Mas na escola dos filhos, seria escolhido com louvor!
Ledo engano, não foi o mais votado e ficou longe da associação de Pais e Mestres, para desespero seu e da família dos Grudes.
Na festa do Marquinho dos Grudes Júnior, quando o palhaço colocou cinco pais para dançar a “Tarraxinha”, seria aclamado com certeza. Era oportunidade única de vencer sua primeira eleição!
Na frente da família deu show, rebolou até o chão, passou por debaixo de “cordinha” imaginária, “botou a mão no joelho e balançou a bundinha”... quase uma versão opaca e pálida do Jacaré do finado “É o Tchan”...
Contudo, que lástima! O melhor dançarino eleito pelos convivas foi o vovô Viriato, flexível como um poste, carismático como uma cadeira. Marquinho dos Grudes rebolou, mas não levou!
Mas havia de ser no condomínio, seria síndico exemplar, durão, fiscalizador falso moralista de moça que namora no hall.
Candidatou-se, fez corpo a corpo, comprou até voto de dona Julieta mediante negociação com a vaga da garagem.
Mas o eleito foi o Betão, surfista filho de rico que tinha o apartamento só para farra e orgia, com votos de todas as meninas solteiras condôminas (e das casadas também).
Não agüentava mais. Tinha que ser eleito.Tentou associação de moradores, e perdeu por 55 votos. Comissão de finanças da paróquia, e as beatas preferiram Breno, jovem coroinha, aclamado até pelo padre Terto. No terreiro de Mãe Albina, vestido de branco, disputou simpatia para ser ogã, mas os deuses afro escolheram Severino, mascate e prestamista.
O candidato dos Grudes se desesperava!
No meretrício que frequentava – sim, gostava de uma mulherzinha da vida – as meninas se organizaram para escolher um “representante”, “protetor” e “preposto” para horas de urgência.
“Machão”, Marquinho dos Grudes colocou seu nome, sua honra e seus braços grossos como perna de catenga à disposição.
Mas o cafetão eleito por 17 votos contra nenhum seu foi o Delcídio, estivador que dava conta do recado e falava grosso, de verdade.
Contudo, incansável, Marquinho dos Grudes teve uma idéia. Fundou uma entidade que seria sua. Nesta, não é possível, seria eleito presidente.
A esperança renascia na vida de Marquinho dos Grudes. Passou madrugadas fazendo estatuto, confeccionando ata. Foi ao cartório, registrou tudinho. Montou chapa única. Seria imbatível!
O dia da eleição chegara. Como era chapa única, ocorreria quase em simultâneo o registro e a votação. Enfim, o dos Grudes seria eleito!
Mas de última hora, Manoel Fonseca Dias, estelionatário fino, deu um golpe, registrou chapa concorrente e se tornou presidente da “APUPICAL”: Associação dos “Pôca” Urnas, Picaretas e Caluniadores de Alagoas. O placar: 32 a 0. Marquinhos, confiante da vitória certeira, abrira mão de seu próprio voto.
Sempre derrotado, Marquinho dos Grudes hoje anda por aí...
Mas como brasileiro, não desiste nunca.
Entrou na onda da web, para copiar os outros virou até blogueiro, com um blog dos Grudes, com certeza.
Mas até seu blog não vence eleição do servidor de Internet, e por só ter 1 acesso por dia, – o seu, feito para que o próprio veicule suas asneiras – ameaça ser excluído do portal hospedeiro.
Nosso herói dos Grudes está à procura de novo pleito para submeter sua experiência à análise da maioria.
Opções ele já visualiza: haverá escolha para fiscal do aterro sanitário, e lixo é sua especialidade.
E tem outra para inspetor de banheiro químico, e em dejeto humano ele é doutor.
Talvez esta ele vença! Será?