Imagens refletidas no espelho podem nos perturbar.

Em frente a nós mesmos, em nossa dimensão real, crua e imutável naquele instante, somos tomados por um assombro, mesmo que passageiro: sim, estes somos nós, agora, fruto de nossa história e semente para nosso devir.

Há poucos dias o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) ofereceu uma destas imagens assustadoras, só que de nosso judiciário.

Trata-se do estudo que compõe o projeto Sistema de Indicadores de Percepção Social, mais especificamente o trabalho de pesquisa que revelou a percepção da população brasileira sobre a justiça de nosso país.

A idéia foi aplicar questionários em nossa população para mensurar a nota média que o cidadão brasileiro dá, em geral, a sua justiça.

Também foram individualizados temas de importância neste contexto, com objetivo de se conhecer a percepção sobre a rapidez na decisão dos casos; a facilidade no acesso aos tribunais; o baixo custo para esta acessibilidade; a capacidade de produzir decisões boas e justas; a honestidade dos magistrados e integrantes do judiciário; e a imparcialidade da justiça ao ofertar tratamento igualitário independentemente de cor, gênero ou classe social.

Vamos às notas:

Em uma avaliação geral tendo com nota mínima 0,00 a máxima 10,00, o brasileiro reprovou o seu judiciário aplicando-lhe um vergonhoso 4,55.

Quanto aos temas individualizados os dados foram também catastróficos.

Em uma escala com mínimo de 0,00 e máximo de 4,00 em termos de nota, quando questionados se a justiça profere “decisões boas, que ajudem a resolver os casos de forma justa”, a nota auferida foi 1,60. Nova reprovação!

Usando a mesma metodologia de notas mínimas 0,00 e máximas 4,00 a questão “facilidade no acesso” recebeu nota 1,48 e a indagação “baixo custo, para que todos os cidadãos possam defender os seus direitos” ganhou nota 1,45. Ambas foram, igualmente, alvo de “bomba” no teste perante os brasileiros e brasileiras.

Mas foram nos três últimos quesitos que a justiça nacional foi mais mal avaliada.

Quando a questão foi se a justiça atuava com “imparcialidade, tratando ricos e pobres, pretos e brancos, homens e mulheres, enfim, todos de maneira igual” a nota conferida foi 1,18.

Já em termos de “rapidez na decisão dos casos” o judiciário ganhou outra nota 1,18.

E no questionamento sobre a “honestidade dos seus integrantes e punição dos que se envolvem em casos de corrupção”, nossos tribunais obtiveram nota 1,17.

Resultados que, todos juntos, são um escândalo em termos perceptivos e, sobretudo, em termos de cidadania!

As imagens no espelho podem nos transtornar naquele instante congelado do reflexo imediato. Mas, se analisadas com lucidez, podem nos ajudar a repensar sobre de onde viemos e sobre onde queremos chegar.

Sou um defensor de um judiciário justo, pró-ativo e ágil. Acredito que nossas cortes façam um esforço nesta tentativa e vejo que mecanismos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cumprem um papel referencial nesta tentativa de controle externo, para mim, saudável e necessário.

Reconheço as deficiências, por vezes até mesmo orçamentárias, para a pulverização de comarcas país afora.

Acredito que o número de juízes no Brasil é deficiente diante das dimensões continentais de nossa nação e da variedade de nossas contendas.

Reconheço que nosso sistema jurídico, por vezes, permite certa morosidade na tramitação de processo, o que deságua na lentidão dos julgamentos.

Mas sou levado a afirmar que também há um certo conservador pedantismo que infesta certas áreas e certos seres em nossos tribunais.

Pedantismo que acarreta o rechaçar de tentativas de modernização.

Que repele a diminuição das impensáveis e obscenas férias de 2 longos meses para os juízes, bem pagos no Brasil diante do padrão internacional de remuneração da magistratura.

Que permite o anacronismo do funcionamento de comarcas e varas em meio expediente, mesmo que existam pilhas de processos à espera de apreciação e decisão.

Que propicia a muitos magistrados dedicarem-se mais a outras atividades como a docência, em detrimento do exercício de suas funções como juízes que são.

Que instala um corporativismo cego capaz de blindar a essencial crítica ou auto-crítica, seja interna ou externa, no seio dos tribunais brasileiros.

E não me venham com a falaciosa afirmação de que o excesso de leis no Brasil ou as entranhas de nosso arcabouço jurídico permite um excesso de recursos, exterminando a rapidez que se espera do ato de julgar. Estudos da OAB já desmascararam esta farsa, indicando que a maioria dos processos no Brasil se dá por encerrado já na primeira instância.

O espelho tem este dom de, ao nos representar numa pílula de tempo já fugaz e passageira, projetar-nos para trás e para a frente.

Basta querermos! Basta tentarmos!

Se o antes está perdido como demonstra o estudo do IPEA, aproveitemos este momento de reflexão para discutirmos e implementarmos um amanhã diferente e, em especial, melhor.

Façamos desta imagem o retrato de uma percepção que o Brasil exige ver desfeita, pois que fantasmagórica.

A imagem de um judiciário longe de nossas expectativas e muito, lamentavelmente, distante de nossa realidade.


PS.: o estudo, na íntegra, pode ser acessado aqui ou neste link:

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_justica.pdf