Inicialmente quero deixar claro: sou a favor da Vida.

Mas em tempos em que o debate sobre a sucessão presidencial, que em tese deveria ser grandioso politicamente, apequena-se em favor de fofocas paroquianas ou teológicas de variados matizes, vejo-me compelido a expor minha indignação.

O circo em que se tornou a discussão sobre o aborto protagonizado pelos dois candidatos à Presidência da República beira o ridículo, o vulgar, o merecedor de comiseração.

Um homem da estatura e experiência de José Serra se utiliza de práticas nada republicanas ao permitir-se imputar a sua adversária a pecha de anticristo, utilizando-se de artimanha semelhante à boataria que vitimou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando este foi candidato à prefeitura de São Paulo.

Uma mulher como Dilma Roussef, com a pretensão de ocupar o mais alto cargo do Executivo nacional sob os auspícios situacionistas, amesquinha o debate sobre tema tão relevante, deixando de prestar um grande serviço a milhares de famílias brasileiras desservidas de políticas conscientes e cidadãs de planejamento familiar.

Serra ou Dilma, Dilma ou Serra. A questão é que devemos, enquanto nação, enfrentar este debate com as armas da mínima sanidade. O fervor beato, o fanatismo hipócrita ou o radicalismo dogmático encobrem uma lógica perversa instalada em nossas cidades, sob nossos olhos e embaixo de nossos narizes. Em nossas esquinas e em nossos bolsões de miséria.

Sabemos que sob o enfoque jurídico o aborto é considerado crime. Artigos 124, 125 e 126 do Código Penal Brasileiro em nosso extenso vade mecum.

Contudo, diante desta conduta criminosa, ouso indagar: quantos processos crime por aborto são ou foram instaurados no Brasil ou mesmo em Alagoas?

Aposto que uma ínfima quantidade.

Ora, se estou certo e se pouquíssimos processos motivados pelo crime aborto percorrem os corredores de nosso Judiciário, uma analogia primária nos levaria à afirmação de que escassos abortos são realizados em nosso país ou mesmo em nosso estado.

Estou certo?

Claro que não! Esta afirmação seria e é falsa e leviana.

Sabemos que diariamente milhares de mulheres atentam contra a própria vida e contra a vida de seus fetos e bebês em ações inescrupulosas protagonizadas em clínicas clandestinas, em salas fétidas e imundas, sob mãos covardes e desabilitadas.

Ou ainda, conhecemos sempre um caso de aborto provocado por meio de medicamentos com outros fins, que deveriam ser vendidos somente com retenção de receita médica, mas que acabam servindo como abortivo sob a conivência de farmácias mercenárias.

Neste cenário, muitos religiosos de diversas orientações, como que guerreiros e guerreiras das cruzadas medievais, manifestam-se com propriedade parcial, pois que doutrinária, contra o aborto.

Mas estes cruzados se esquecem de debater a outra face desta nada preciosa moeda. Face esta que estampa, de modo reluzente e delituoso, os rostos de milhares de crianças nas ruas e sarjetas, na prostituição e no tráfico de drogas, nos sinais de trânsito, em condições desumanas de vida habitando casebres sem saneamento, em bairros sem escolas, com pais sem norte e sem dignidade. Todos, em uníssono, sem destino.

Somos todos culpados por estes crimes!

No lugar de compactuar com esta histeria fanática e coletiva, Serra e Dilma, Dilma e Serra, deveriam debater e propor medidas de planejamento familiar, de educação sexual nas escolas, nas comunidades e nos postos de saúde, de ampliação de conquistas sociais que favorecessem o esclarecimento de casais em busca de famílias equilibradas.

Mas Dilma e Serra, Serra e Dilma, preferem o tratamento mambembe e bufão do tema, seja oficialmente em suas propagandas eleitorais, seja nos submundos da maledicência oficiosa, das redes sociais, das reuniões coletivas, da pulverização via Internet.

Em países como Alemanha, Estados Unidos, Portugal, Itália, entre outros, a opção do aborto por indicação social revelou um baixo índice de adesão. Nestes países, embora seja lícito abortar, as mulheres passam antes da decisão por rigorosas triagens e acompanhamentos de cunho emocional, social e quiçá religioso, já que a fé, felizmente, é e deve ser universal.

E em quase 80% dos casos as alemãs, norte-americanas, portuguesas e italianas acabam decidindo por não abortar. Nesta etapa do processo, temos sim um Estado que se volta à integridade do ser humano, sem o falso moralismo dos fariseus ensandecidos.

Respeito católicos, evangélicos e todas as religiões. Mas abomino o deslumbramento míope e insensato que se instala quando o único horizonte é o embasado irracional na crença, no culto, na adoração sem medidas. Na fé cega que antes de esclarecer, obscurece ou mistifica uma realidade fática que merece combate concreto e contextual.

Considero inalienáveis as liberdades de expressão, de religião e de pensamento.

Dilma e Serra, Serra e Dilma, neste momento ao lado de milhões de brasileiros e brasileiras, desperdiçam a oportunidade de realizar um grande e VERDADEIRO debate em favor da VIDA.