Era um casal incomum. Cinquinho, assim apelidado por fazer bicos a seus cinco reais, e Tetéia, uma negra vistosa, daquelas de tirar fôlego de português. No começo, foi paixão à primeira vista. Foram morar juntos, “amigados” no barraco.
Não fossem as diferenças futebolísticas, teriam nascido um para o outro. E exatamente aí as coisas andavam mal. Ele, azulino doente pelo CSA. E ela era, mirando-se na patroa que morava na Ponta Verde, CRB fervorosa.
Vira e mexe, o assunto era só um: jogo de bola. E neste quesito, quase sempre iam às vias de fato, pequena contravenção penal que a polícia deixava para lá por achar assunto “menor” perto dos crimes de final de semana ocorridos na grota.
Naquele domingo, Cinquinho havia se arrumado todo para assistir a um amistoso do CSA contra o Colégio Cristo Rei, preparativo para a segundona do alagoano. Afinal, ia passar na TV, uma benção diante da falta de dinheiro para pagar a entrada. Bombril na antena, meiota no copo, caju no prato, amendoim no pote. Tudo só a esperar o apito inicial do juiz.
Mas justo naquela hora, Tetéia vacilou e foi tirar quarto de hora com Cinquinho. Logo na hora do grande clássico.
Não prestou!
Sem maiores “arrudeios” Cinquinho deu-lhe uma “munhecada collorida”, destas de fazer urinar qualquer “bandideco” de Alagoas. Foi lona! Tetéia até a prótese perdeu, presente de Cinquinho, paga em prestações ainda não quitadas.
Ao visualizar a amada caída e ferida Cinquinho caiu em si, e se recordou que existia uma tal de “lei da Penha” que ele havia escutado na rádio. Pela lei e pela Penha, seu destino seria o xadrez se a polícia fosse convocada a visitar o barraco.
Cinquinho tentou acudir a companheira, que tinha a cara suja de sangue, quando ela então se levantou, ainda com alguma dignidade, e sorriu! De costa para a TV, Cinquinho, incrédulo, murmurou um oxente de incompreensão.
Ela apontou a tela e, ao se virar, ele viu o pior. Gol do Cristo Rei em cima do azulão.
Que vingança!
Sorriso banguela, cara roxa, supercílio rasgado, mas com ar de vencedora, após o gol, para Tetéia sua hora de revanche chegara em quase instantâneo! O gol era como devolver o tapa covarde! Era como que o impulso necessário para sua visita à Delegacia das Mulheres.
Com ar de vencedora se recompôs e foi vestir o manto sagrado alvirrubro para ir dar queixa do amante. Na delegacia, Seu Doutor Delegado ordenou e a polícia foi lá.
No barraco, a ordem era “pega o Cicinho!!!”. O homem, bêbado, foi achado no chão da sala, aos berros, cantando o hino da Mancha Azul, agarrado a uma foto do Valdemar Carabina! Era a imagem da dor, da desonra e da desolação...
Imagem que comoveu a negra!
- Seu guarda, leva ele não. O bichinho não tem condições de levar mais desacerto! Deixa ele aqui e diz para o “Doto” que me enganei! Pronto! A cara amassada foi queda da cama. O corte, pancada do abajur. E o dente? Ah seu guarda! A gente bota outro! De ouro amarelo, de rico até!
Retirada da queixa, fim da quase prisão! Até o próximo CSA X CRB, o barraco ia ser só treme-treme. Afinal, como sempre se vangloriava Tetéia, Cinquinho era azulino, cachaceiro, valente com mulher. Mas o cabloco era, sem dúvida, arretado sim naquelas coisas do amor.

Welton Roberto