“É um período em que a ausência grita mais alto, mas eu tento transformar essa dor em cuidado, em memória e em gratidão.” A fala resume como o Natal passou a ser vivido pelo coordenador de marketing Aldo César de Oliveira Holanda, morador do bairro Antares, em Maceió.
Ele perdeu a mãe em 9 de maio de 2020, vítima da Covid-19. Anos antes, já havia enfrentado a morte do pai. As duas perdas redefiniram sua relação com datas simbólicas e tornaram o fim de ano um período atravessado por silêncio, lembranças e tentativas constantes de ressignificação.
Tradicionalmente associado à alegria, à união familiar e às celebrações, o período pode se tornar especialmente sensível para pessoas em luto. A data concentra rituais, memórias afetivas e expectativas sociais que evidenciam ausências e reativam dores que, ao longo do ano, costumam permanecer mais contidas.
No caso de Holanda, a mudança começou ainda com a primeira perda. “Quando meu pai faleceu, nós já passamos a ficar mais em casa, eu e ela mesmo, e alguns convidados”, relata. A celebração deixou de ser um grande encontro e passou a ter um caráter mais íntimo, acompanhando o processo de luto vivido por ele e pela mãe.
Com a morte dela, o sentimento de vazio se aprofundou. “Depois que ela se foi, virou uma busca por novos significados para tentar lidar com esse vazio”, afirma. O período passou a exigir um esforço consciente para não se afastar completamente da data, agora marcada pela ausência física, mas também pela tentativa de manter vínculos simbólicos.
Apesar da dor, Aldo encontrou apoio para atravessar o fim de ano. “Hoje, com o suporte de amigos, da minha companheira e da família que me acolheu, venho tentando tornar a noite realmente feliz”, diz.
Esse movimento individual encontra respaldo na avaliação de especialistas. A psicóloga gestalt-terapeuta Laís Rosa e Silva explica que não há evidências de aumento do sofrimento psíquico no fim do ano, mas sim de intensificação de emoções já existentes.
Para Silva, datas simbólicas funcionam como gatilhos emocionais, tornando as ausências mais evidentes e reforçando a importância do acolhimento, da escuta sensível e do respeito ao tempo do luto.
Rituais que atravessam a saudade
Entre os rituais natalinos, montar a árvore segue como o momento mais sensível. “Arrumar a árvore de Natal sempre foi algo que ela gostava muito”, lembra ao falar da mãe.
Na primeira comemoração sem ela, ele decidiu ressignificar o gesto. “Fiz questão de comprar itens novos e montar uma árvore especialmente pra ela”, conta. O ritual passou a ter outro significado. “É uma forma de sentir que ela está ali, escolhendo cada enfeite e cada detalhe.”
Manter a tradição se tornou um cuidado emocional. “Tem sido bom para o coração e para alma”, afirma, ao explicar como o gesto ajuda a atravessar a saudade.
Hoje, diz que se sente mais confortável para expressar o que sente durante as festas. “Eu deixei de me retrair”, afirma. A construção de uma rede de apoio foi fundamental para que ele se sentisse mais disponível para viver o momento.
Ainda assim, a ausência dos pais se intensifica no fim do ano. “Claro que sinto falta, queria escolher o presente e ver a cara dela ao abrir”, diz. Segundo ele, a falta dos dois se torna mais forte nesse período.
Mesmo diante da dor, o coordenador tenta se apoiar nas boas lembranças. “Procuro carregar comigo os sentimentos e as memórias boas que compartilhávamos nessas datas”, afirma. Para Aldo, o período também carrega uma mensagem de esperança e gratidão. “A expectativa de um ano melhor e o agradecimento por tudo o que recebemos no ano que se encerra.”
Ao falar sobre o que poderia tornar o período mais acolhedor, Holanda amplia o olhar para além de si. “Acho que todos nós deveríamos aproveitar esse momento respeitando nossos credos, nossa fé e acolhendo sentimentos”, diz. Além disso, defende empatia sem discursos vazios. “Trazer amor e empatia sem hipocrisia ou promessas falsas.”
Para Aldo, a festividade deveria refletir aquilo que se deseja para a própria vida. “Trazer para a mesa aquilo que gostaríamos que preenchesse nossas vidas e nossos corações.” Em suas preces, costuma se despedir dos pais com uma frase que resume sua travessia: “Fiquem bem daí, que daqui eu estou fazendo o que posso.” Ele afirma que segue tentando cumprir essa promessa.
Por que o Natal intensifica o luto
A psicóloga Laís Rosa e Silva explica que datas como essa tendem a intensificar o luto por estarem associadas à ideia de união, família e celebração. Quando alguém importante não está mais presente, essa ausência se torna ainda mais visível.
“A saudade aparece, a dor aperta e o luto se atualiza no agora”, afirma. Segundo ela, memórias e rituais ativam lembranças de vínculos e histórias compartilhadas. Esse processo pode aquecer o coração, mas também provocar sofrimento.

Manter rituais pode ajudar a honrar quem partiu. Por outro lado, insistir em repetir tudo exatamente da mesma forma pode intensificar a dor. O fundamental, segundo a especialista, é respeitar o próprio ritmo emocional.
A cobrança social para que todos estejam felizes pode agravar o sofrimento de pessoas enlutadas. Essa expectativa tende a gerar culpa, sensação de inadequação e isolamento “Fingir que está tudo bem desconecta a pessoa do que ela realmente sente”, explica a psicóloga. Para ela, acolher a dor também faz parte do cuidado emocional.
Alguns sinais indicam que o luto pode estar mais difícil de elaborar, como evitar lembranças da perda, sentir que a vida perdeu o sentido por um longo período e se afastar das pessoas. A dificuldade de expressar sentimentos e o abandono de atividades antes prazerosas também merecem atenção. Nesses casos, buscar apoio é um passo importante.
Como atravessar o período com mais cuidado
Entre as orientações, Laís destaca respeitar os próprios limites e não se obrigar a participar de todos os encontros. Adaptar ou pausar rituais também pode ser necessário.
Estar perto de pessoas que saibam ouvir sem minimizar a dor e encontrar formas de expressar sentimentos contribuem para atravessar o período com mais cuidado. “Sentir tristeza não estraga o Natal. Faz parte da história de quem viveu uma perda”, finaliza a especialista.
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