Em sua primeira celebração de Natal à frente da Igreja Católica, o papa Leão XIV usou a liturgia na Basílica de São Pedro para reforçar um apelo que vem marcando o início de seu pontificado: a defesa de uma paz construída sem armas, inspirada na trajetória de Jesus Cristo. A mensagem ganha peso em um cenário internacional atravessado por guerras e crises humanitárias, como as registradas em Gaza, na Ucrânia e no Sudão.

Antecipada para marcar o Dia Mundial da Paz, celebrado em 1º de janeiro, a mensagem do pontífice convoca fiéis e líderes políticos a rejeitarem a lógica da militarização e a investirem em uma cultura de diálogo, justiça e confiança mútua — tanto na vida pública quanto no cotidiano das famílias.

Leão XIV criticou o avanço da corrida armamentista e o discurso de medo que, segundo ele, sustenta o aumento dos gastos militares ao redor do mundo. Para o papa, a segurança baseada no armamento aprofunda tensões e distancia as sociedades de soluções duradouras para os conflitos.

O pontífice também fez um alerta sobre o uso da inteligência artificial em contextos de guerra. Ao mencionar experiências recentes em zonas de conflito, destacou o risco de decisões sobre vida e morte serem transferidas às máquinas, o que, em sua avaliação, enfraquece a responsabilidade ética de líderes políticos e militares. “Trata-se de uma escalada de destruição que ameaça os fundamentos humanistas que sustentam qualquer civilização”, pontuou.

Há cerca de sete meses no cargo, Leão XIV tem buscado aproximar sua mensagem das realidades locais, defendendo que comunidades se tornem espaços de acolhimento e mediação de conflitos. Para ele, a paz não deve ser tratada como ideal distante, mas como prática possível, construída por meio do diálogo entre culturas, religiões e povos.

Lideranças religiosas ecoam o chamado

No Brasil, onde o catolicismo convive com uma diversidade crescente de tradições religiosas, o pronunciamento do papa repercutiu entre lideranças de diferentes credos. O teólogo e pastor batista Marco Davi de Oliveira avaliou que o discurso provoca uma reflexão necessária para a virada do ano, ao lembrar que a paz coletiva começa pelo enfrentamento dos conflitos interiores.

“O papa acerta ao falar de uma paz que desarma. Muitas violências externas nascem de guerras internas e da ausência de justiça”, afirmou o pastor, ao destacar que a construção da paz é um processo contínuo, que exige respeito às diferenças.

O cantor e pastor Kleber Lucas também vê na fala de Leão XIV a continuidade do legado do papa Francisco. Para ele, ao insistir no diálogo, na tolerância e na conciliação cotidiana, o pontífice assume um papel ativo na promoção da paz em um mundo marcado por polarizações.

Da Federação Brasileira Espírita, o vice-presidente Geraldo Campetti ressaltou que a paz é um exercício diário e condição essencial para a felicidade humana. “Não há plenitude possível em meio ao conflito permanente”, disse, defendendo uma postura mais inclusiva e fraterna entre indivíduos e nações.

Representando as religiões de matriz afro-brasileira, o babalaô Ivanir dos Santos destacou que o chamado do papa dialoga com valores compartilhados por diferentes tradições espirituais. Ele, no entanto, cobrou coerência entre discurso e prática, especialmente entre lideranças cristãs que, segundo ele, ainda associam a fé a disputas políticas e à intolerância.

Para Ivanir, o desafio lançado por Leão XIV é transformar palavras em gestos concretos. “A paz precisa sair dos documentos e chegar às relações reais, entre pessoas, comunidades e povos”, afirmou.