Em pleno século XXI, quando a Constituição já completou décadas garantindo liberdade de imprensa, Lagoa da Canoa resolveu fazer uma viagem no tempo. O destino: a era em que gritos, ameaças e valentia de telefone eram tratados como argumento político.

O protagonista do episódio é o ex-deputado Jairzinho Lira (nome fictício), que, incomodado com críticas jornalísticas, decidiu inovar — não com esclarecimentos, fatos ou direito de resposta, mas com intimidação direta. O alvo foi o jornalista Thiago Reis, ameaçado durante uma ligação telefônica, convenientemente gravada.

No áudio, Jairzinho abandona qualquer verniz civilizatório e assume o personagem clássico do coronel moderno: fala alto, xinga e deixa claro que discorda da democracia quando ela não lhe agrada. “É eu ou você em Alagoas”, sentencia, como se o estado fosse propriedade privada e a imprensa, uma concessão revogável ao primeiro acesso de fúria.

Não há ali debate. Não há contraponto. Não há sequer a tentativa educada de contestar uma informação. O que existe é a velha fórmula do medo: cale-se ou atenha-se às consequências.

A ameaça, diga-se, surge mesmo após o jornalista afirmar que suas publicações se limitaram ao campo político — aquele espaço que, em tese, deveria ser justamente o mais aberto à crítica. Ainda assim, para o ex-parlamentar, questionar poder parece ser sinônimo de afronta pessoal.

Ao tornar público o áudio, Thiago Reis fez o óbvio: se protegeu e expôs um método que insiste em sobreviver nos porões da política. “O problema não é só comigo”, afirmou o jornalista. E não é mesmo. Quando um profissional é ameaçado por trabalhar, o recado se estende a todos.

O episódio tampouco é um ponto fora da curva. O histórico do grupo político do ex-deputado inclui episódios recentes de agressão e violência, como o ataque a uma advogada durante o último período eleitoral. Coincidência, claro — se alguém ainda acredita nisso.

O que o caso escancara é o choque entre duas épocas: de um lado, a democracia, com suas leis, garantias e liberdades; do outro, o coronelismo que se recusa a aceitar que o tempo passou. Spoiler: passou.

A Constituição não deixa margem para interpretação criativa. Quem se sente injustiçado por uma publicação tem caminhos legais. Ameaça não é argumento, grito não é direito de resposta e intimidação não é política — é crime.

O áudio está preservado e pode embasar responsabilizações nas esferas criminal e cível. Mais do que punir um caso isolado, a apuração serve para lembrar o óbvio: ninguém manda calar jornalista no berro.

A política do medo perdeu a validade. Quem insiste em usá-la precisa entender que, hoje, o microfone não está na mão do coronel — está ligado, gravando e, quando necessário, denunciando.