O Sítio Histórico e Paisagístico de Piranhas, um dos mais emblemáticos patrimônios culturais de Alagoas, tornou-se centro de um debate delicado que envolve preservação histórica, desenvolvimento urbano e denúncias de tratamento desigual por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Empresários, moradores e proprietários de imóveis questionam a condução do órgão federal na análise e aprovação de projetos, apontando possível falta de isonomia nas decisões administrativas.

A controvérsia ganhou força após a publicação, na última semana, de uma decisão em última instância administrativa do IPHAN referente a um recurso apresentado por um hotel localizado dentro do sítio histórico.

O empreendimento questionava autuações relacionadas a obras realizadas no imóvel. Embora a Câmara de Análise de Recursos (CAR) e a Procuradoria Federal tenham se manifestado pela manutenção do indeferimento do recurso, a decisão final manteve a validade de atos administrativos anteriores e determinou o prosseguimento do processo com foco na regularização da obra e na recomposição de eventuais danos, deixando a via judicial como alternativa apenas caso a solução administrativa não seja alcançada.

Divergências técnicas e questionamentos

Para empresários da região, a decisão evidenciou uma discrepância entre pareceres técnicos e o desfecho administrativo, o que levanta suspeitas sobre a uniformidade dos critérios adotados pelo órgão.

Segundo relatos, a mesma equipe técnica responsável por indeferir projetos de determinados empreendedores também teria autorizado ou viabilizado a regularização de outros empreendimentos, inclusive de maior porte e impacto urbanístico.

“Há uma sensação generalizada de que existem dois pesos e duas medidas. Projetos grandes avançam, enquanto reformas simples, muitas vezes essenciais para a segurança e a habitabilidade dos imóveis, ficam paralisadas por anos”, afirma a empresária do Hotel Oasis do São Francisco, Gleide Tavares, que é ribeirinha natural de Piranhas.

Pequenos proprietários relatam dificuldades

Moradores ribeirinhos e pequenos empreendedores afirmam enfrentar obstáculos quase intransponíveis para obter autorização para reformas básicas, mesmo em edificações já previamente aprovadas. Em contraste, segundo eles, obras de maior volumetria ou com alterações mais significativas no conjunto arquitetônico teriam recebido aval ou encaminhamento célere para regularização.

Um caso citado com frequência é o de um hotel cujas obras estão paralisadas há vários anos, aguardando liberação do IPHAN, enquanto outros projetos, considerados mais impactantes, avançaram. Para os críticos, a situação evidencia a ausência de critérios claros e uniformes.

Impacto social e denúncias de “desapropriação velada”

Além das controvérsias técnicas, as consequências sociais da suposta seletividade preocupam os moradores. Proprietários afirmam que a impossibilidade de realizar obras necessárias estaria tornando muitos imóveis inviáveis para moradia, levando famílias a vender seus bens por valores abaixo do mercado.

“Quem depende da casa para morar acaba pressionado a vender. É como uma desapropriação silenciosa”, relata um proprietário que preferiu não se identificar, temendo retaliações em processos futuros. Para os denunciantes, esse cenário favorece a concentração imobiliária e ameaça a permanência das comunidades tradicionais no centro histórico.

Pedido de apuração

Diante do impasse, cresce o apelo por maior fiscalização e transparência. Empresários e moradores defendem que o Ministério Público Federal (MPF) e a Ouvidoria nacional do IPHAN apurem a conduta dos agentes públicos envolvidos, a fim de assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da isonomia.

Reconhecida nacionalmente por seu valor histórico e paisagístico, Piranhas vive o desafio de conciliar preservação com desenvolvimento e justiça social. Para os críticos, garantir regras claras e tratamento igualitário é fundamental para que a proteção do patrimônio não resulte na exclusão de quem construiu, ao longo de gerações, a própria história da cidade.