“O que a gente observa hoje é o resultado de um processo histórico que ainda tentamos atravessar.” A avaliação é do doutor em Educação Luciano Amorim ao comentar o novo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta que Alagoas encerrou 2024 com a maior taxa de analfabetismo do país.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada no último dia 3, 14,2% da população alagoana com 15 anos ou mais não sabe ler nem escrever. O índice coloca o estado, mais uma vez, no topo do ranking nacional, superando a média do Nordeste (11,1%) e mais que dobrando o percentual do Brasil (5,3%).
O resultado indica estabilidade em relação a 2023, quando Alagoas registrou taxa de 14,1%, enquanto o país e a região Nordeste apresentaram leve redução nos índices de analfabetismo.

O professor Cleriston Izidro, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Cedu/Ufal), reforça essa leitura ao destacar o peso do passivo educacional acumulado.
“A taxa demora a cair porque inclui adultos e idosos que, no passado, não tiveram acesso à escola ou precisaram abandoná-la cedo. Ainda existe muita gente que ficou para trás por falta de oportunidade”, explicou.
De acordo com ele, fatores como pobreza, trabalho precoce e baixa escolaridade herdada por gerações seguem alimentando o problema.
Saída antes da conclusão
Entre as capitais, Maceió lidera o ranking com os piores indicadores de analfabetismo: 6,4% da população não sabe ler nem escrever. Na sequência aparecem Rio Branco (5,6%), Macapá e Fortaleza (5,1%), Teresina (4,8%), João Pessoa (4,5%), Recife (4,1%) e Aracaju (3,9%).
Nas posições mais baixas estão Florianópolis e Porto Alegre (1,0%), Rio de Janeiro (1,2%), Curitiba e Belo Horizonte (1,3%), além de Campo Grande e Vitória (1,6%).
Os dados também revelam que, embora o acesso inicial à escola esteja praticamente universalizado, com mais de 94% das crianças de 6 a 14 anos frequentando o ensino fundamental, a presença em sala de aula cai conforme a idade avança.
No ensino médio, apenas 69,8% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados. Já no ensino superior, Alagoas apresenta o pior índice do país, com somente 18,2% dos jovens de 18 a 24 anos frequentando universidades.
A pesquisa também mostra o tamanho médio das turmas na rede pública, que varia entre 18 alunos na educação infantil e 37 no ensino médio.
Para Cleriston, a evasão no ensino médio compromete não somente o presente, mas também o futuro do combate ao analfabetismo.
“Quando a frequência cai, muitos jovens ficam com a escolarização pela metade, o que afeta emprego, renda e participação social. No longo prazo, parte desses jovens pode acabar integrando o público da EJAI, aumentando a demanda por reparação do que não foi garantido antes”, finalizou.
Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) reconheceu que, apesar da redução gradual (8,4% em 2022 para 6,4% no levantamento mais recente), a capital segue liderando o ranking entre as capitais.
A pasta atribui a queda a investimentos na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI), parcerias como o Programa Brasil Alfabetizado e ações voltadas à alfabetização na idade certa, além da expansão da educação infantil e do ensino em tempo integral.
Déficit histórico educacional
Para Luciano Amorim, a persistência dos números está ligada à falta de prioridade histórica à alfabetização. Ele explica que políticas eficazes exigem investimento contínuo em profissionais, formação, materiais e estrutura escolar, de forma integrada entre todas as etapas da educação básica.

“Alagoas demorou a compreender que a alfabetização precisa ser central. O abismo que temos hoje é fruto da ausência dessa prioridade ao longo de décadas”, afirmou.
O especialista aponta ainda que mudanças políticas frequentes nos municípios prejudicam a continuidade das ações.
“A volatilidade política interfere na permanência de projetos e políticas. Muitos trabalhos deixaram de ser executados ou foram interrompidos abruptamente, e isso cria rupturas. Mesmo quando a alfabetização aparece como prioridade no papel, a prática não acompanha”, disse.
Ele destaca que, no pós-pandemia, essas diferenças se acentuaram no Nordeste, e Alagoas sentiu fortemente os efeitos dessa instabilidade. Sobre Maceió liderar o ranking nacional entre as capitais, Luciano relaciona o indicador às desigualdades socioeconômicas históricas.
“O analfabetismo não é apenas educacional, ele é social. A capital reflete as desigualdades do estado. Políticas de alfabetização precisam dialogar com políticas sociais, porque não existe solução isolada. Ignorar isso tem sido um erro recorrente”, contou.
Luciano Henrique reconhece que há investimentos em programas e projetos voltados ao ciclo da alfabetização, mas ressalta que eles ainda não são capazes de romper a estrutura que mantém o estado entre os piores índices do país.
“Só esse movimento não produz ruptura completa. É preciso observar outros marcadores que influenciam o desenvolvimento humano em Maceió e em Alagoas. Educação pública e políticas sociais precisam caminhar juntas”, concluiu.
O portal CadaMinuto procurou a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) para questionar a permanência de Alagoas no topo do ranking nacional do analfabetismo.
Em resposta, a pasta reconheceu que o índice atual é “inaceitável”, mas sustentou que o estado vive uma “trajetória consistente de sucesso” no enfrentamento do problema.
Segundo a Seduc, desde 2011 o analfabetismo foi reduzido em mais de 40%, resultado atribuído à manutenção de políticas voltadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA). A secretaria também destacou a retomada do Programa Brasil Alfabetizado, interrompido nacionalmente há uma década, que prevê a alfabetização de cerca de 14 mil pessoas até 2025, com prioridade para a zona rural.
A Seduc ressaltou ainda que o Ensino Fundamental alcançou cobertura considerada quase total e afirmou que suas ações atuais se concentram na ampliação das escolas de tempo integral e na qualificação da EJA.
Já para educadores como Cleriston Izidro e Luciano Amorim, a permanência de Alagoas entre os piores indicadores educacionais do país revela um problema estrutural.
Os especialistas avaliam que a falta de continuidade e de prioridade histórica nas políticas públicas de educação segue sendo um dos principais entraves para romper um ciclo que se arrasta há décadas.
*Estagiário sob supervisão da editoria
Foto de Capa: Geovana Albuquerque/Agência Brasília










