Já revelei aqui que gosto de batizar, ao meu modo, as pessoas que andam e correm com frequência todas as manhãs no Murilópolis. É uma maneira de me distrair e me divertir ao mesmo tempo.
Vamos lá: eu confesso que desde a minha infância, e principalmente na adolescência, costumava dar apelidos jocosos a garotos e garotas com quem eu convivia, ou simplesmente encontrava por vezes repetidas. Talvez hoje isso fosse entendido como bullying, mas em minha defesa tenho a dizer que não havia agressividade e/ou humilhação na criação das novas identidades.
Eu mesmo tive várias alcunhas divertidas – são como caricaturas -, algumas ainda lembradas por amigos e contemporâneos, mas entendo com clareza que cada um sabe onde a dor lhe alcança, e é melhor evitar constrangimentos e sofrimentos – a “regra de ouro” das filosofias.
A personagem do título é digna de admiração, apesar do trocadilho que remete a outro tema: é a graça da criação (lembrando que eu também sou vovô, assumido e consagrado). De idade mais avançada que a minha, que se aproxima dos setenta, ela é também mais encorpada. O que não a impede de correr, diariamente, seis ou mais quilômetros, sem pausa e sem sinais de exaustão (calculo com base no meu percurso). Então, a “vovó do tráfego”, creio, está bem batizada.
Em verdade, deparo-me diariamente com homens e mulheres que mudaram o padrão de uma geração – entre os quais eu me incluo. A atividade física faz parte do cotidiano dessas pessoas, como da minha, de forma prazerosa. Tudo bem: no começo há algum sacrifício, mas a rotina se estabelece, e não realizá-la passa a ser motivo de frustração, pelo menos nas primeiras horas do dia. O custo-benefício é tão claramente visível que, para quem pratica o esporte matinal – e cada um no seu ritmo –, andar/correr não difere muito das demais ações naturais que o dia oferece e cobra.
Às vezes, e merece registro, há encontros matinais, religiosamente repetidos, que realçam a esperança na espécie. É o caso do grupo formado por Reinaldo, Jan, Edson e outros da leva dos "entões" que se agregam ao trio, ainda que sem a mesma frequência. Piadas, deboches, a velha e adolescente “pulha”, seguramente os fazem despertar do resto de sono que levam para a pista. É prazeroso encontrá-los e, por um instante, ouvi-los a pilheriar como um bando de meninos, como eram os meninos da Buarque de Macedo e arredores. Não há vítimas entre eles, até porque todos vivem o bate-e-leva dessas relações bem-humoradas.
Ainda recentemente, ao fazer exames para um pequeno procedimento cirúrgico, o médico, um velho conhecido, perguntou se eu “não queria morrer” – uma forma de elogiar a minha pulsação cardíaca (para um sujeito/ancião de quase 70 anos). Disse-lhe que não era o caso, mas que gostaria mesmo de morrer com saúde. E não há contradição nisso: a morte que dói, assim entendo, é a que o encontra num leito de hospital ou de casa, entre suspiros e lamentações.
Tudo bem, ora direis, ninguém pode escolher o jeito e a hora de se despedir – até sem se despedir. Mas, cá para nós, eu preferiria mesmo é o “modo Montaigne” de partir. O francesinho, que é um amigo de longa data, companheiro de vida, trouxe um bom augúrio sobre a dita-cuja:
- Que a morte me encontre plantando as minhas couves, mas despreocupado com ela e ainda mais com a minha horta.
A quem interessar possa: a cada dia rego um pouco a minha plantação.
Ricardo Mota








