A médica Juliana Brasil Santos, investigada após a morte do menino Benício Xavier, 5, afirmou em um documento que prescreveu erroneamente adrenalina de forma intravenosa à criança durante o atendimento de emergência.

O que aconteceu

Juliana disse que, apesar de prescrever o remédio de forma errada, orientou verbalmente à mãe do menino que a adrenalina não deveria ser intravenosa, e sim por nebulização. A informação consta em um relatório interno do Hospital Santa Júlia, divulgado pela TV Amazônica ontem.

Médica falou à administração do hospital que a equipe de enfermagem não a procurou para questionar sobre o medicamento, mesmo que a mãe tenha insistido que o remédio deveria ser inalado, e não aplicado na veia. "Enfermagem administrou adrenalina EV mesmo a mãe insistindo na via inalatória, inclusive me surpreendo também pela equipe não ter vindo confirmar minha conduta e via de administração da medicação antes de ser feito", afirma trecho do documento.

Benício passou mal após a primeira dose de adrenalina. O menino foi levado para a ala de urgência do hospital e, na sequência, para a UTI pediátrica, onde foi intubado. No documento, Juliana afirma que ele teve taquicardia, palidez e falta de ar após receber o remédio.

Durante o período de internação na UTI, Benício sofreu seis paradas cardíacas. A equipe médica conseguiu reanimá-lo cinco vezes, mas a morte foi confirmada na madrugada do domingo.

O UOL buscou a defesa de Juliana na manhã de hoje para saber se a médica quer se manifestar sobre o relatório, mas não recebeu retorno até o momento. O espaço segue aberto para manifestação. Veja as versões da defesa da médica e da técnica de enfermagem abaixo.

Relembre o caso

Benício Xavier de Freitas foi internado no sábado, no Hospital Santa Júlia. Na ocasião, a criança apresentava quadro de tosse seca e tinha suspeita de laringite. O relato foi feito pelos pais do menino e consta no boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil do Amazonas.

Médica responsável por atender Benício prescreveu uma série de procedimentos, entre os quais três doses de adrenalina intravenosa. As três doses de adrenalina, de 3 ml cada, deveriam ser aplicadas ainda no hospital, com intervalo de 30 minutos entre uma e outra. Benício chegou a receber uma dose.

Pais estranharam a prescrição para adrenalina por via intravenosa. Eles alegaram que, até então, a criança só havia recebido adrenalina por nebulização, ou seja, inalar o medicamento na forma de aerossol por via respiratória, não venosa —sem ser ministrado direto na corrente sanguínea.

Apesar da ressalva dos pais, a primeira dose de adrenalina foi aplicada por via intravenosa. Técnica de enfermagem alegou que deveria seguir o tratamento indicado pela médica na receita.

Família registrou boletim de ocorrência no 24º DIP (Distrito Integrado de Polícia). Os pais da criança já foram ouvidos. A médica e a técnica de enfermagem que atenderam o menino, além detestemunhas e outros profissionais que socorreram a criança, também foram ouvidos.

Overdose de adrenalina

Benício morreu em decorrência de uma overdose de adrenalina. A causa do óbito foi tornada pública pelo delegado do caso, Marcelo Martins, em entrevista na manhã de hoje.

Caso é investigado como homicídio doloso qualificado — quando há intenção de matar. Para o delegado, as evidências colhidas até o momento apontam para um caso de "homicídio doloso qualificado pela crueldade" porque, segundo testemunhas, a médica Juliana Brasil Santos teria, supostamente, demonstrado "indiferença e desprezo" após a técnica procurá-la para relatar que Benício tinha reagido mal à medicação.

“A médica foi acionada pela técnica de enfermagem logo que a criança começou a passar mal, mas não demonstrou urgência em prestar socorro. Esse comportamento evidencia desprezo pela vida da vítima”.

Marcelo Martins, delegado

Delegado explicou que a defesa de Juliana nega negligência. Conforme Martins, os advogados alegam que a médica teria solicitado um antídoto para reverter o quadro clínico de Benício, mas, segundo o delegado, um médico ouvido no decorrer da investigação apontou "que não existe antídoto para esse tipo de situação".

“Nós fomos até um médico muito experiente, que estava na situação de testemunha desse caso, e ele informou que não existe nenhuma medicação que possa  contrapor uma overdose de adrenalina. Então, não havia o que se fazer, em termos de medicação para salvar a criança, a não ser administrar um soro, segundo o médico”.

Marcelo Martins, delegado

Delegado pediu à Justiça a prisão preventiva de Juliana. Entretanto, o pedido foi indeferido pela desembargadora Onilza Abreu Gerth, que disse não haver "fundamentos suficientes", até o momento, para prender a médica. Ela responde em liberdade.

Caso segue sob investigação. Ainda segundo o delegado, o inquérito vai determinar se houve negligência ou erro médico no atendimento a Benício. Polícia não esclareceu se a técnica de enfermagem também é investigada.

O que dizem as partes envolvidas

Defesa de Juliana disse ao UOL que aguarda a "oitiva formal dos envolvidos" para se manifestar. A médica é representada pelos advogados Felipe Braga e Alessandra Vila.

Técnica de enfermagem afirma que seguiu as orientações prescritas pela médica. Raíza Bentes confirmou em entrevista à imprensa na saída da delegacia, na manhã de hoje, que os pais de Benício questionaram se a adrenalina seria aplicada por nebulização, e ela respondeu que a médica havia prescrito por via intravenosa.

Raíza afirmou que aplicou a adrenalina apenas uma vez. "Eu informei à mãe no momento porque ela havia questionado a via de administração. Eu falei que nunca havia aplicado  aquela medicação [adrenalina] por aquela via [intravenosa], mas que era como estava prescrito pela médica. Nós duas, eu e a mãe da criança, concordamos em ser administrada a medicação. Tudo que eu fiz na criança eu informei a mãe e inclusive mostrei a receita médica para ela."

Técnica também disse que informou à médica sobre a reação adversa apresentada pela criança, e Juliana teria pedido para "aguardar". Minutos depois, a médica, segundo relato da técnica, teria tentado se eximir de responsabilidades e culpar outras pessoas, inclusive a mãe de Benício. "Quando ela chegou, já chegou tentando encontrar culpados. Ela chegou até a indagar a mãe dizendo: 'eu não disse que era pra fazer nebulização?'. A gente não faz nada que não tenha prescrição médica. Ainda que a médica chegasse falando pra eu fazer a nebulização, eu só posso fazer se houver prescrição [por escrito]".

Hospital Santa Júlia informou investigar internamente a morte de Benício e afastou a médica e a técnica. Unidade de saúde reforçou que está "oferecendo apoio à família em tudo o que for necessário". "Seguimos comprometidos com a segurança do paciente, a ética e a responsabilidade assistencial que orientam a atuação da instituição."

O UOL não conseguiu localizar a defesa dos pais de Benício. O espaço segue aberto para manifestação.