Nessa terça-feira (21), o Ministério Público Federal (MPF) acompanhou uma visita técnica judicial promovida pela Comissão Regional de Soluções Fundiárias da Justiça Federal em Alagoas, no âmbito da Ação de Reintegração de Posse ajuizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) contra indígenas da etnia Pankararu, da Aldeia Luzia. O grupo ocupa uma parte da área denominada Fazenda Cantinho da Capela I, localizada às margens da rodovia AL-101 Sul, em Penedo (AL).

A visita teve como objetivo aproximar o Judiciário da comunidade e coletar informações sociais e territoriais que possam subsidiar uma solução dialogada para o conflito. Durante a ação, foram aplicados questionários padronizados sobre a origem das famílias, etnia, composição do grupo, condições de moradia e expectativas quanto ao futuro, além de promover a interlocução direta entre os indígenas e o juiz responsável pelo caso.

A atividade foi coordenada pelo juiz federal Carlos Vinícius Calheiros Nobre, coordenador da Comissão Regional de Soluções Fundiárias, enquanto o MPF foi representado pelo procurador da República Eliabe Soares, titular do ofício de povos indígenas e comunidades tradicionais do MPF em Alagoas, e a Defensoria Pública da União (DPU) foi representado pelo defensor regional dos direitos humanos em Alagoas, Diego Alves. 

Além do sistema de Justiça, o Município de Penedo enviou representantes e o professor Parmênides, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que acompanharam toda atuação.

Os Pankararu relataram que sua etnia tem origem em Pernambuco e que viveram por anos na aldeia Monte Alegre, em Palmeira dos Índios/AL, junto aos grupos Xukuru-Kariri, onde se estabeleceram e suas raízes se entrelaçaram. Após disputas internas e fragmentação da comunidade de Monte Alegre, parte do grupo permaneceu sem território e migrou para Penedo há quase 10 anos. Nos primeiros anos, as famílias viveram na periferia da cidade, em condições precárias, até que recentemente receberam orientação espiritual para buscar um local na mata onde pudessem viver com mais dignidade e realizar seus rituais sagrados.

O antropólogo do MPF, Ivan Farias, esclareceu que a orientação espiritual é natural da religião dos indígenas, que recebem alertas e inspiração que guiam suas ações e escolhas.

Atualmente, 18 famílias — cerca de 50 pessoas, entre adultos, crianças, adolescentes e idosos — vivem na ocupação iniciada há quatro meses na Fazenda Cantinho da Capela I, em moradias de lona. Os indígenas explicaram que acreditavam tratar-se de área pertencente à União e administrada pela Codevasf, utilizada há anos por posseiros que realizam atividades como desmatamento, criação de gado e produção de carvão, dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA).

Drante a visita, também foram discutidas as dificuldades enfrentadas pelos indígenas na adaptação ao terreno, descrito como arenoso e de fácil alagamento, o que dificulta o cultivo e a subsistência das famílias com práticas já conhecidas, sendo necessária capacitação para essa instalação.

O MPF acompanha a situação do grupo desde 2023, quando estabeleceu o primeiro contato durante a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do São Francisco. Na época, as famílias viviam em condições de extrema vulnerabilidade, em construções condenadas pela Defesa Civil devido ao risco de desabamento.

Para o procurador Eliabe Soares, a atuação da Justiça Federal em campo reflete um novo olhar sobre os conflitos fundiários: “Essa iniciativa demonstra o interesse em construir uma solução consensuada e humanizada, permitindo que a Justiça compreenda de perto as práticas culturais e espirituais dessa comunidade e a importância da territorialização e do aldeamento para sua sobrevivência física e cultural”.

*Com Ascom MPF