Um simpático “desconhecido íntimo”, na ótima definição de Nélson Rodrigues, abordou-me no supermercado exibindo o que me pareceu um genuíno sorriso:

- Tá feliz, não é, Ricardo?

Confesso que não identifiquei a mais remota ironia em sua pergunta. Imaginei que fosse alguma questão sobre o futebol, algo assim, mas veio o arremate da sua indagação:

- O Collor está preso, né? Tá rindo à toa...

Minha reação foi instantânea e sincera:

- Nada disso! Não fico feliz com a dor de ninguém. Entendo que justiça e vingança não se confundem. Acho que se ele fosse obrigado a pagar o devido aos trabalhadores da sua empresa, que tiveram suas vidas arruinadas, aí a solução seria muito melhor.

Ele concordou comigo e abriu um sorriso ainda maior.

Fato concreto, gente, é que eu não sou de guardar rancores, ódios e raivas permanentes, muito menos de pessoas com as quais não convivo no meu cotidiano. Sem saber explicar o porquê, fui preservado desses sentimentos mais agudos, de repulsa, tão somente. É claro que eu tenho acessos de raiva, rasgos de agressividade, o que fui domando com o tempo. Se não de todo, pelo menos em situações em que eu explodiria normalmente (por favor, não confundam com violência, porque esta nunca viveu nem vive na minha morada).

A “triste” constatação é a de que a raiva me faz mais mal do que a tristeza, e quando reajo após ultrapassar o meu ponto de quebra – e todos nós o temos -, sinto uma ressaca de longa duração, uma prostração que me derruba física e moralmente. Para muitos, isso seria um sinal de fraqueza, e ainda que assim seja, faz parte da minha indissociável (incurável) natureza. 

No que eu acredito, a raiva nos torna vulneráveis demais, particularmente na seara política. Historicamente, não são poucos os profissionais do ramo que se valem dessa fragilidade para chegar ou se manter no todo do mando.

As variáveis são infindáveis: podem ir de um povo a um único personagem; uma ideia, uma religião... Seja o que for, será a raiva, momentânea, ou o ódio, duradouro, que manterá unida a tropa. Esta, eis o busílis, terá sempre seus “dois minutos de ódio” a cada dia (“1984”, George Orwell). 

Esses líderes estão espalhados pelo mundo, bem instalados no Brasil e, é só prestar atenção, na nossa pequenina Alagoas. Sempre que você observar um desses personagens atirando ofensas na mesma direção, pode ficar certo de que ele está apenas exercitando o seu mister, dando aos seus seguidores “os dois minutos” de alimento e, no fundamental, garantindo a sua perenização no único lugar que lhe dá prazer: o poder. 

É uma forma de manipulação primária?

Eu diria que é eterna, pela nossa incapacidade de pensar dispensando as emoções extremas. É verdade que sempre seremos seres emocionais, em que a racionalidade parece ser mais curta do que deveria. Ainda assim, podemos aprender com aqueles que conseguiram mergulhar mais fundo do que nós na alma humana. Por exemplo, um tal de Riobaldo:

“A gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente, o que isso era falta de soberania, e farta burrice, e fato é.”

O danado do sabido, aí de acima, fez-se foi no Sertão das pessoas, onde só os fortes é que chegam.