“A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais em baixo, bem diverso do em que primeiro se pensou.” Assim segue a vida, nos ensina (de novo, ele) Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”.

É um belo livro, já disse e repito. E com ele deveriam aprender todos os que acreditam, tolamente, que têm a própria existência sobre absoluto controle.

Mas, até que ponto somos, de fato, frutos das nossas escolhas? Fazê-las é necessário, indispensável, mesmo. Daí a assumir a crença de que vamos chegar aonde imaginamos inicialmente é buscar apenas uma fonte inesgotável de frustrações. Aprende-se a viver, vivendo – com erros e acertos, não há outro jeito.

A memória, quase sempre mais sábia que o dono, cuida de nos brindar com aquilo que nos fez bem e nos ajuda a tocar o dia a dia, por mais difícil que seja enfrentá-lo. O que se foi de ruim, é o remédio da boa sanidade mental, vai se esvaindo com o passar dos anos. E se assim não acontece, eis uma vida pouco suportável.

Existe, porém, um caminho para reconstruir o passado, se assim buscamos, mas que infelizmente só é possível a poucos: a criação literária talvez seja a sua melhor expressão.

“Escrever é prestar contas à própria infância”, disse, um dia, Mestre Ariano Suassuna. Pode ser bem mais.

O ótimo escritor inglês Ian McEwan é autor de uma tocante obra, “Reparação”, na qual nos apresenta a chance rara de se refazer um malfeito. É um livro encantador – que virou um bom filme, “Desejo e Reparação” –, em que a personagem central, ela também uma escritora, dá um novo e feliz desfecho a vidas por ela arruinadas. Só assim conseguiu achar sentido para sua existência. Belo e pungente!   

Se nem todos podemos refazer nossas trajetórias, se estamos insatisfeitos com aquilo que atingimos, nos resta, ainda, continuar a definir as nossas escolhas, entendendo, porém, que são infinitos os atores de cada destino - incontroláveis para cada um de nós.

E, mais uma vez, podemos nos socorrer no jagunço Riobaldo:

“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas elas vão mudando. Afinam e desafinam”.

Sempre.