O São João é, historicamente, uma celebração popular que mistura religiosidade, resistência e alegria. Durante décadas, os trajes juninos representaram a síntese dessa cultura: vestidos rodados, estampas floridas, xadrez, chapéus de palha, fitas e rendas. Hoje, no entanto, os festejos também se tornam vitrines para looks urbanos, padronizados e neutros — muitas vezes distantes da estética tradicional nordestina.

 

Na contramão do que os especialistas associam à influência das redes sociais, da cultura pop global e de uma busca por pertencimento a grupos esteticamente padronizados, artesãs alagoanas resgatam elementos tradicionais e elevam o padrão da moda regional conceitual, com originalidade, cores e identidade local.

 

A artesã e microempreendedora Adriana Gomes borda o Filé desde a infância. Moradora do Pontal da Barra (Maceió, AL), região conhecida por sua tradição artesanal e vocação turística, ela encontrou nas capacitações oferecidas pelo Sebrae Alagoas uma oportunidade de transformação. Foi a partir desse contato que sua relação com o bordado mudou: o que antes era feito e vendido de maneira tradicional, passou a ser encarado com um olhar voltado para a inovação e o valor agregado.

 

“Comecei a enxergar o Filé de outra forma depois de participar de algumas consultorias do Sebrae. Percebi o potencial do ponto para compor peças de alta costura, e passei a vestir pessoas com influencia na cidade e fora ela, como a primeira-dama de Maceió, Maria Cândia. Isso mudou a realidade de muitas bordadeiras aqui do Pontal”, conta a empreendedora, com orgulho.

 

O Filé

Com origem nas comunidades pesqueiras da Lagoa Mundaú, o Filé — uma das maiores expressões do fazer manual brasileiro — é tombado como Patrimônio Cultural Imaterial do estado e, nos últimos anos, vem ganhando projeção nacional e internacional, desfilando em passarelas e estampando vitrines de marcas conscientes.

 

Para o jornalista e especialista em moda James Silver, o São João é uma oportunidade potente de afirmação estética e cultural, sobretudo em tempos em que a padronização visual, como o visual "total black", domina os festejos.

 

“O problema não está em usar preto, que tem seu lugar clássico e nunca sai de moda, mas não podemos esquecer ou ignorar, que temos uma estética própria, potente e cheia de significado. No São João, os alagoanos têm uma chance a mais de estar na moda sem necessariamente seguir as tendências. O feito à mão permite que a gente personalize o look com elementos da nossa cultura, trazendo ainda mais singularidade para se expressar”, explicou o jornalista.

 

James destaca ainda o papel fundamental do Sebrae na profissionalização de artesãs e marcas autorais que hoje assinam peças com protagonismo:

“O trabalho do Sebrae tem sido essencial para que artesãs e marcas percebam seu fazer como negócio, se atualizem e dividam espaço com estilistas Brasil afora”, finalizou.

 

Capacitação, branding e imagem

As capacitações promovidas pelo Sebrae Alagoas ao longo do ano, especialmente nos meses que antecedem o São João, têm se consolidado como um verdadeiro prelúdio da moda regional. Mais do que preparar empreendedoras para o pico das vendas nas festas juninas, esses treinamentos fortalecem a identidade das marcas locais, ampliam o conhecimento técnico e posicionam o feito à mão alagoano como referência tendência.

 

O reflexo disso se vê em eventos de projeção nacional, como o Minas Trend, onde, com o apoio do Sebrae AL, artesãs do estado têm alcançado resultados expressivos, esgotando estoques já no primeiro dia da feira e garantindo encomendas futuras.

 

“Moda também é conteúdo técnico. É preciso estudar, pesquisar, entender de branding, de estilo, de composição. A capacitação que promovemos recentemente no Alagoas Summit fez a diferença porque tratou justamente disso: ajudou empreendedoras a comunicarem o propósito de suas marcas e entenderem como se destacar, não apenas vendendo, mas contando uma história com o que produzem”, destaca Carolina Ávila, analista do Sebrae Alagoas.

 

Em 2024, empreendedoras do ramo da moda, atendidas pelo Sebrae registraram um aumento médio de 29% no faturamento em comparação com o ano anterior — um dado que evidencia o impacto direto da qualificação profissional aliada à valorização da cultura popular. É o conhecimento técnico impulsionando a moda como vetor de desenvolvimento econômico e expressão cultural.

 

“São peças ricas, obras de arte. A gente precisa se apropriar disso, valorizar o que é nosso. Cada bordado carrega uma história, uma memória, uma identidade. Ao usar uma peça feita à mão, a gente conserva e exibe com orgulho a nossa cultura”, afirma Marina Gatto, analista do Sebrae Alagoas e entusiasta do fortalecimento da moda artesanal em eventos como o Minas Trend.

 

Com um olhar atento ao que há de mais autêntico, o Sebrae Alagoas vem costurando, junto às artesãs, um novo tempo para o setor da moda: mais criativo, competitivo e cheio de pertencimento. O São João é mais que um calendário de vendas, é palco. E nesse palco, o feito à mão se apresenta como um manifesto de cor, identidade e valorização da cultura popular nordestina. É com linha, agulha e história que Alagoas se reinventa e se apresenta ao mundo.