Milhões de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foram surpreendidos com descontos em seus benefícios que, segundo eles, jamais foram autorizados. A prática envolvia a cobrança de mensalidades associativas por parte de sindicatos e entidades que, sem o consentimento dos segurados, recebiam diretamente da folha de pagamento valores que somam um rombo de R$ 6,3 bilhões, segundo estimativas da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU).

O governo federal iniciou um processo de devolução dos valores cobrados indevidamente a partir desta quarta-feira (14). Por meio da plataforma Meu INSS e da central 135, os beneficiários agora podem consultar os descontos realizados nos últimos anos e declarar que não reconhecem a cobrança. Caso a associação não comprove o vínculo com o segurado, ela terá 15 dias úteis para ressarcir o valor. Caso contrário, a cobrança será judicializada pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Para entender melhor os efeitos dessa operação sobre as contas públicas, o orçamento da Previdência e a confiança da população no sistema, o portal CadaMinuto conversou com o economista Anderson Henrique, que explicou os principais desdobramentos financeiros do caso e os desafios para a efetiva devolução dos valores aos segurados.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual é o impacto econômico da recuperação dos valores desviados do INSS no orçamento da Previdência Social, considerando os R$ 6,3 bilhões investigados?

Em termos práticos, o déficit atual da previdência ultrapassa os 330 bilhões. Portanto, apenas esse volume de recursos não gerará grandes efeitos na conta previdenciária de longo prazo. Todavia, se observa impactos econômicos positivos, embora indiretos: o impacto no orçamento dos segurados, cujo valor médio de recebimento é de R$ 1800 reais; o fortalecimento das relações de governança; uma diminuição nas ações judiciais contra a administração pública e; a sinalização de combate à corrupção.

 

Como o bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens patrimoniais pode contribuir para o ressarcimento dos aposentados e pensionistas de forma efetiva e  célere?

Se bem executado, o bloqueio e a recuperação desses R$ 1 bilhão podem contribuir para uma menor injeção de outros recursos federais (que poderiam ser utilizados em saúde e educação, por exemplo). Além disso, é importante mencionar o efeito dissuasório contra novos desvios, isto é, um sinal forte contra corrupção e maior fiscalização, que tendem a inibir novos esquemas de fraude.

 

Na sua avaliação, o modelo adotado pelo INSS — de permitir que o cidadão conteste descontos pelo app ou telefone — pode ser considerado eficiente do ponto de vista da economia pública e da prevenção de novos desvios?

A adoção de sistemas digitais pelo INSS representa uma significativa modernização dos serviços previdenciários. Por um lado, a digitalização desses processos gera expressiva economia para os cofres públicos, uma vez que reduz a necessidade de atendimentos presenciais, diminui-se gastos com infraestrutura física e pessoal, além de agilizar a resolução de demandas.

No entanto, o Brasil sofre com uma considerável exclusão digital, já que uma parcela significativa da população - especialmente idosos e pessoas de baixa renda - ainda enfrenta dificuldades no acesso e uso dessas tecnologias: 30% dos brasileiros ainda não usam internet regularmente, segundo o IBGE. Isso também pode ampliar o número de golpes e fraudes, como verificado em outros segmentos semelhantes, como no bolsa família.

Outro ponto crítico é a limitação existente, tanto de infraestrutura tecnológica do sistema previdenciário, quando nos próprios sistemas digitais, uma vez que situações mais complexas ainda exigem a intervenção de servidores qualificados.

 

Quais mecanismos econômicos ou jurídicos poderiam acelerar a devolução dos valores aos beneficiários e evitar que fraudes como essa se repitam no futuro?

É essencial adotar uma combinação de medidas jurídicas, econômicas e tecnológicas. No aspecto jurídico, a implementação de leilões eletrônicos prioritários permitiria a venda rápida de bens apreendidos, seguindo o exemplo bem-sucedido de operações como a Lava Jato, que recuperou R$ 3,8 bilhões em 90 dias. Acordos de leniência com reparação direta ao INSS e a criação de varas especializadas em crimes previdenciários agilizariam a devolução de valores e a punição dos responsáveis. Do ponto de vista econômico e tecnológico, uma solução seria a adoção de blockchain para rastrear contribuintes, que poderia reduzir fraudes em até 40%, como ocorreu no Uruguai. Sistemas de inteligência artificial cruzando dados do INSS, Receita Federal e CadÚnico identificariam irregularidades em tempo real, enquanto programas de recompensa por denúncias incentivariam a sociedade a participar do combate a fraudes. Do ponto de vista tecnológico, reformas estruturais, como a unificação de bancos de dados entre órgãos públicos e a exigência de certificação digital para empresas, fechariam brechas para fraudes.

É importante destacar que penalidades mais duras, incluindo multas de até cinco vezes o valor desviado e prisão inafiançável para crimes acima de R$ 1 milhão, serviriam como desincentivo a práticas criminosas.

 

Esse tipo de fraude e sua posterior reparação afetam a credibilidade das instituições públicas junto aos segurados? Como isso pode impactar o comportamento econômico dessa população, especialmente os aposentados?

Os efeitos são antagônicos. Um esquema criminoso descoberto comprova que as instituições estão trabalhando na prevenção de malfeitos, o que melhora a reputação da administração pública. Todavia, a fragilidade no controle e fiscalização, que permitiu a ocorrência de desvios por um período considerável, também fere a reputação institucional e da gestão governamental, algo que precisa ser combatido.

Além disso, a descoberta de fraudes pode gerar desconfiança entre os segurados, especialmente os aposentados, que dependem desses benefícios para sua subsistência. Essa desconfiança pode levar a um comportamento econômico mais cauteloso, com redução de gastos e aumento da poupança, como forma de proteção contra possíveis perdas futuras. Em contrapartida, a reparação dos danos e a implementação de medidas mais rigorosas de controle podem restaurar a confiança dos segurados, incentivando um comportamento econômico mais estável e confiante.