O vínculo afetivo da fêmea com os filhotes carrega fatos curiosos, como a amamentação feita pelas axilas por cerca de dois anos.
Pioneira na reintrodução de filhotes de peixe-boi marinho à natureza, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa dos Corais, situada entre a foz do Rio Formoso (Tamandaré/PE) e o do Rio Meirim (Maceió/AL), é um importante centro de proteção e conservação desta espécie ameaçada de extinção. É também nessa área de proteção ambiental que turistas têm se encantado pelo animal, através do passeio de avistamento oferecido pela Associação Peixe-Boi no Rio Tatuamunha.
Um dos aspectos que mais surpreendem os visitantes é a docilidade do peixe-boi. Mesmo podendo atingir até quatro metros de comprimento e pesar até uma tonelada, o tamanho imponente contrasta com a serenidade do animal, que o torna ainda mais interessante. Apesar do tamanho, são criaturas dóceis e cativantes, que pertencem à ordem Sirenia, da espécie Trichechus manatus. Mas existem outras características curiosas que despertam o interesse de quem conhece a espécie. Uma delas é o vínculo afetuoso entre mãe e filhote, que começa desde a amamentação .
Ao contrário da maioria dos mamíferos, os peixes-bois marinhos amamentam pelo “sovaco”, já que as glândulas mamárias das fêmeas estão localizadas sob as nadadeiras peitorais. Essa peculiaridade, inclusive, viralizou recentemente nas redes sociais, após uma página de divulgação científica mostrar o momento da e gerar surpresa entre os internautas. ( https://vm.tiktok.com/ZMBoKhywe/ )
Outro aspecto que chama atenção é o período de amamentação. Os filhotes permanecem cerca de dois anos sendo amamentados, até adquirirem habilidades essenciais para buscar alimento sozinhos. Quando alcançam essa maturidade, passam a se alimentar, principalmente, de uma planta aquática conhecida como “capim-agulha”, além de algas marinhas e folhas de mangue. Ao chegar na idade adulta, podem consumir até 60 quilos de vegetação por dia.
Mas o cuidado materno vai muito além da amamentação. Iran Normande, pesquisador do Peld Costa dos Corais que atua na conservação de peixes-bois desde 2006, afirma que as mães ensinam o filhote até mesmo a respirar. “Assim que nascem os filhotes são muito dependentes das mães, e durante este período, formam uma dupla inseparável.
Como são mamíferos aquáticos, precisam subir à superfície regularmente para reabastecer os pulmões, e no início é a mãe quem os leva até lá, pois eles ainda estão aprendendo a controlar os próprios movimentos.”
A relação entre mãe e filhote é tão intensa que envolve formas específicas de comunicação. O peixe-boi utiliza vocalizações - pequenos sons que lembram gritos - para se comunicar, e a fêmea é capaz de reconhecer seu filhote entre muitos outros apenas por esse som. Essa troca sonora é essencial para manter o vínculo entre eles, mesmo quando estão em meio a outros animais.
Por causa do laço e da dedicação materna prolongada, a espécie costuma ter apenas um filhote a cada quatro anos. Gestações de gêmeos são extremamente raras e geralmente apresentam complicações. Esse ritmo lento de reprodução é um dos fatores que tornam o peixe-boi uma espécie vulnerável, exigindo atenção constante de iniciativas voltadas à sua preservação.
APA Costa dos Corais é referência em conservação ambiental
O peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) é uma das espécies mais ameaçadas de extinção no Brasil, principalmente devido à caça, perda de habitat e poluição das águas. Apesar disso, Alagoas tem se destacado como um território estratégico para a proteção do animal.
“O litoral de Alagoas é uma das áreas mais importantes para a conservação da espécie, pois abriga uma população pequena, isolada e que está no extremo sul da sua distribuição. Mesmo com tantos desafios, os esforços de conservação têm dado resultado. Nos últimos anos, temos registrado muitas fêmeas com filhotes na região”, afirma Iran Normande, biólogo do ICMBio e pesquisador colaborador do Peld CCAL.
Um marco importante nesse processo foi a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em 1997, onde o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) atua. Hoje ela é considerada a maior unidade de conservação marinha federal do Brasil e se tornou um verdadeiro refúgio para os peixes-bois, abrangendo cerca de 400 mil hectares ao longo de 120 km de costa, desde o município de Tamandaré (PE) até Maceió (AL).
“A degradação dos habitats e o encalhe de filhotes continuam sendo as principais ameaças às espécies no Brasil. Ainda assim, Alagoas tem um papel de destaque por ter sido pioneiro na reintrodução à natureza de filhotes reabilitados em cativeiro”, complementa o biólogo.