Para poder estudar, crianças e adolescentes são tratados como retirantes da seca no Sertão de Alagoas
No Estado em que 9 entre 100 crianças registram atraso escolar de 2 anos ou mais, quem resiste contra esta realidade em Alagoas enfrenta um descaso que remonta ao início do Século 20, quando retirantes nordestinos embarcavam para o Sudeste do Brasil, fugindo da fome e das secas, em tábuas de carrocerias de caminhões conhecidos como “paus-de-arara”. Estes veículos ilegais seguem oferecendo perigo a dezenas de estudantes de Pariconha, que neles se arriscam diariamente para ter acesso ao ensino público.
Sob a omissão de autoridades mais preocupadas com os holofotes da atuação na capital e nos grandes municípios, o vergonhoso descaso com o transporte escolar é comum neste município do Sertão de Alagoas.
Na última sexta-feira (25), a reportagem flagrou o desembarque de camionetes D-20, precariamente adaptadas para transportar a um passado indigno crianças e adolescentes que lutam por um futuro melhor, sob o calor escaldante do semiárido alagoano.
Resistência aos sucatões
Há uma média de 15 a 20 desses minis “paus-de-arara” rodando com estudantes, principalmente da região serrana, de base, bem como para escolas indígenas.
São camionetes da marca Chevrolet que deixaram de ser fabricadas no Brasil desde 1996. Fato que evidencia o risco de um transporte escolar com veículos de cerca de três décadas de existência.
Além deste aviltamento que desmerece quem busca oportunidade pela educação, a situação é um erro estratégico que mantém Alagoas no atraso escolar.
Enquanto no Brasil a taxa de distorção entre idade e série é de 7,5%, Alagoas registra o indicador de 9,1%, de acordo com dados mais atualizados, de 2023, do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). No 5º ano, a taxa salta para 13,5%, enquanto a média nacional é de 11,5%.
Pariconha registrou 3,3 mil matrículas no Censo Escolar de 2024, incluindo a Educação Especial e de Jovens e Adultos. E o nível da resistência dos alunos ao transporte escolar humilhante expõe um contraste com a desvalorização que recebem dos gestores. Pois o percentual de distorção entre idade e série é de 3,9%, em Pariconha, aumentando para 9,2%, no 5º ano. Bem abaixo das médias alagoana e nacional.
Soluções ignoradas favorecem o coronelismo
A afronta à dignidade de uma parcela significativa de estudantes pariconhenses expõe seus corpos frágeis a riscos de acidentes graves, enquanto gestores e órgãos de controle estaduais e municipais ignoram a existência do programa federal Caminho da Escola. Criado há 18 anos, esta política pública oferece veículos fabricados e adequados especialmente para regiões de difícil acesso.
Mas interesses diversos do educacional parecem desdenhar da segurança e da qualidade do transporte escolar em Alagoas. Um problema que atinge a esfera municipal e tem o aval de gestores estaduais, porque um antigo acordo largou na mão das prefeituras o dever de transportar alunos, inclusive os de escolas estaduais.
Quem sai ganhando é o coronelismo, cuja lógica privilegia gestores, por favorecer donos de veículos alinhados às ideologias de quem domina a máquina pública. Além dos minis “paus-de-arara”, o transporte escolar de Pariconha tem uma frota de vans contratadas, que também não oferecem segurança e dignidade ao alunado.
“Temos o transporte de camioneta, principalmente na região serrana e regiões de base. E situações de alunos cadeirantes sendo transportados em vans totalmente inadequadas e sem acessibilidade nenhuma. A concessão do transporte é feita pela Prefeitura, que transporta para a rede municipal e estadual. São quatro escolas estaduais no município de Pariconha, três com transporte escolar. Há ônibus que o governo federal manda, mais D-20 e vans locadas”, disse um professor que preferiu não se identificar.
‘Inadmissível, no Século 21’
Presidente do núcleo regional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal) no município de Delmiro Gouveia, Pedro Paulo Farias de Oliveira, confirmou a situação de descaso do transporte escolar de Pariconha. E disse que ainda nesta terça mobilizaria o setor jurídico para buscar soluções pela segurança dos estudantes.
“Vamos acionar o nosso corpo jurídico para tomarmos as medidas cabíveis, cobrando do município a responsabilidade em ofertar o esporte de fato de qualidade,como reza a legislação em vigor”, antecipou o dirigente sindical.
O sindicalista concluiu ser inadmissível a permanência das camionetes D-20, em pleno Século XXI. Lembrando da opção segura oferecida pela política pública federal do Ministério da Educação, Caminho da Escola.
“É inadmissível, em pleno século 21, crianças, adolescentes e jovens ainda sendo transportados de maneira irregular. São os minis ‘paus-de-arara’. A gente sabe que as estradas daqui do Alto Sertão não são muito propícias para alguns meios de transporte. Todavia, o governo federal oferta ônibus adequados para elas. Então a gente vai já nesta terça, acionar o jurídico do sindicato para entrar com alguma medida junto à justiça cobrando”, afirmou Pedro Paulo Farias de Oliveira.