O babalorixá Everaldo Geraldo de Melo (Doté Elias), de 46 anos, foi vítima de racismo religioso na última quinta-feira (1º), no Povoado Riacho Branco, Zona Rural de Joaquim Gomes, interior de Alagoas.

Segundo a vítima, o ex-secretário de cultura do município, Ednaldo Lima, usou a sua imagem e da pré-candidata a prefeita Rita do Araçá (MDB) em um grupo de pastores no WhatsApp para insinuar que ela o teria procurado para fazer feitiçaria contra o adversário político Elias Shallom (PSB), vice de Adriano Gomes, atual prefeito do município.

Doté Elias registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia Especial para Crimes contra Vulneráveis em Maceió, Yalorixá Tia Marcelina, nesta segunda-feira (5). Ele tomou conhecimento do fato após um empresário evangélico da cidade, que participava do grupo, denunciar o caso nas redes sociais.

O sacerdote afirmou que Rita o visitou em seu terreiro para conversar com a comunidade sobre as necessidades dos povos de terreiro e da comunidade local. Após divulgar o encontro em suas redes sociais, passou a sofrer ataques.

“É importante que a comunidade entenda e respeite a diversidade, e não podemos nos calar diante dessas situações, pois se tolerarmos uma vez, isso pode se repetir e até causar algo mais grave”, defende.

Além disso, também circulou no grupo de pastores um áudio o qual um pastor realiza uma oração para “quebrar a maldição” contra o pré-candidato e o seu grupo político. 

“Destrói agora toda a bruxaria que foi feita na mata virgem, na encruzilhada, meu Deus do céu. Destrói agora, quebra, desfaz, envia teu anjo agora lá, e desfaz essa maldição agora, dá livramento, dá uma proteção [...] Pai como tu é forte, em nome de Jesus, é pelo teu sangue que nós quebramos, essa maldição agora, essa obra de feitiçaria, de bruxaria, encantamento, trabalho de voodoo, qualquer tipo de bruxaria”.

O líder, que há quase cinco anos coordena os trabalhas religiosos na cidade localizada na Zona da Mata, pertence a Hùnkpámè Ayónó Hùndésô, conhecido por Família Húndésô, organização de tradição Fonbe (Jeje Mahi) no estado de Alagoas, referência ao culto de voduns. Além disso, também coordena o Maracatu Nação Acorte de Alagoas, ligado a casa religiosa.

OAB e INEG acompanham o caso 

O advogado do Núcleo de Advocacia Racial do Instituto Negro de Alagoas (INEG/AL) e membro da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/AL, Pedro Gomes, afirmou que o líder religioso o procurou para denunciar o caso.

“Essa pessoa em momento algum pensou na dignidade do Doté Elias e das pessoas de terreiro. Com o intuito eleitoreiro, ele usou elementos de intolerância religiosa para dizer que todas as pessoas que frequentam terreiros procuram fazer o mal a outras pessoas. Um pensamento que infelizmente continua muito arraigado na população”, defende o advogado.

Gomes ainda argumenta que tentaram manchar a carreira do líder religioso, atuante na militância negra há muitos anos. “A gente fazendo um paralelo com o Quebra de Xangô, aqui em Alagoas, que aconteceu há mais de 100 anos, as pessoas ainda continuam se utilizando da mesma narrativa para prejudicar pessoas de religião de matriz africana”.

Após o boletim de ocorrência, o advogado afirma que os próximos passos são colher provas e cobrar a investigação policial que será realizada pela delegacia de Joaquim Gomes. Além disso, o INEG e a OAB acompanham o caso. 

Injúria racial 

Em janeiro de 2023, a Lei 14.532/2023 passou a equiparar a injúria racial ao crime de racismo. Essa alteração trouxe consequências significativas, como o aumento da pena para dois a cinco anos de reclusão, além de multa, a imprescritibilidade do crime e a impossibilidade de fiança.

A legislação agora define como discriminatória qualquer atitude ou tratamento que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida a pessoa ou grupos minoritários, com base em características como cor, etnia, religião ou procedência. A pena pode ser agravada em casos de crime cometido por duas ou mais pessoas, por funcionário público em exercício da função ou em contexto de lazer.

Para denunciar casos de racismo ou intolerância religiosa, a população pode utilizar os canais Disque 100 (Direitos Humanos) ou Disque 181 (SSP /AL), garantindo o anonimato e sigilo absoluto. Em situações de flagrante, o contato deve ser feito com a Polícia Militar através do 190.