7 em cada 10 mulheres assassinadas por feminicídio em AL foram mortas dentro de casa

26/04/2024 06:00 - Geral
Por Jean Albuquerque
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Imagine a dor de perder uma irmã, sabendo que ela foi brutalmente assassinada, sem chance de defesa, com 32 facadas na cabeça dentro de um carro porque o ex-companheiro não aceitava o fim do relacionamento. Esse é o drama vivido pela advogada Júlia Mendes e sua família.

"Quando percebi a falta dela, foi através do pai do meu sobrinho, que me ligou perguntando se eu poderia pegá-lo na aula de reforço, o mais velho, porque já passava das 18h e ela deveria tê-lo apanhado às 16h30. Foi aí que notamos a ausência de Joana", recorda Júlia Mendes, que soube da morte de sua irmã Joana Mendes por volta das 21h, através do marido.

O corpo de Joana foi encontrado em 5 de outubro de 2016, dentro de um veículo, ainda preso ao cinto de segurança, no bairro do Poço, em Maceió. Ela foi assassinada pelo ex-marido Arnóbio Henrique Cavalcante Melo, que foi condenado no último 2 de abril, a 37 anos, 2 meses e 7 dias de prisão.

"A sensação realmente foi de uma tristeza muito grande, uma impotência muito grande, mas quando senti a falta dela, no final da tarde, já imaginava que algo de ruim poderia ter acontecido porque já era um medo que a família tinha pelo histórico, pelo comportamento do ex-companheiro dela", lamenta Júlia.

O caso da também advogada ajuda a ilustrar a série histórica exclusiva à qual o Cada Minuto teve acesso por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo dados exclusivos cedidos pela Chefia Especial do Núcleo de Estatística e Análise Criminal (CHENÉAC), da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP), em quase dez anos, 263 mulheres foram vítimas de feminicídio em Alagoas.

Essa violência começa — na maioria das vezes — dentro da própria residência vítima, como releva o levantamento disponibilizado pela SSP. Dentre os casos, 74% das vítimas foram mortas dentro de casa. Além disso, 18% foram assassinadas em vias ou locais públicos, e 9% em locais ermos — lugares desertos, descampados, sem habitantes, que geram medo e insegurança.

Ainda segundo os dados inéditos, 82% das vítimas são negras — somando pretas ou pardas, conforme classifica o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, 15% são brancas e apenas 1% indígena. Dentre essas mulheres, a vítima mais jovem tem 10 anos e a mais velha 89 anos.

Veja números por ano

  • 2015 - 4,18%
  • 2016 - 14,07%
  • 2017 - 12,93%
  • 2018 - 8,00%
  • 2019 - 16,73%
  • 2020 - 13,31%
  • 2021 - 9,51%
  • 2022- 12,17%
  • 2023 - 6,84%
  • 2024 - 2,28% 

Percentual de feminicidios de acordo com o número de total de crimes na série histórica de 2015 até 11 de abril de 2024.

Subnotificação de casos de feminicídio em AL

A pesquisadora, advogada e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC, Andréa Albuquerque, defende a possibilidade de haver subnotificação dos casos de feminicídios em Alagoas.

"Há casos em que o crime de feminicídio é registrado como homicídio pela falta de atenção aos requisitos previstos em lei. Como exemplo, temos o caso de Rosineide, morta com 11 tiros por um policial militar em outubro do ano passado", argumenta. O caso mencionado pela pesquisadora trata de Rosineide da Costa Silva, de 53 anos, que foi assassinada em 9 de outubro de 2023 ao tentar defender a sobrinha, que estava sofrendo importunação sexual..

Ainda de acordo com a pesquisadora, em relação ao caso mencionado, os movimentos de mulheres de Alagoas ficaram surpresos com a tipificação do crime como homicídio qualificado por motivo fútil e não como feminicídio (art. 121, parágrafo 2º, inciso VI).

Pesquisadora Andréa Albuquerque fala sobre casos de feminicídio em AL - Foto: Arquivo Pessoal 

"Erroneamente, e isso não ocorre apenas em Alagoas, ainda se considera o feminicídio apenas nos casos de violência doméstica e familiar, ignorando que a lei traz outra possibilidade: o 'menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima’”, acrescenta.

Além disso, ela pontua que, segundo pesquisas às quais teve acesso, há casos de feminicídio que podem ser encenados para que, de forma equivocada, sejam registrados como casos de suicídio ou morte acidental.

"Outro alerta de uma possível subnotificação vem dos números oficiais. Se analisarmos os dados do site da Comissão Mulher Segura da SSP, com atualizações até 2023, veremos que o número de feminicídios caiu, mas o de homicídios cometidos contra mulheres aumentou", esclarece.

Avanço no enfrentamento à violência contra mulheres

A advogada ainda destaca que o Estado de Alagoas, nos últimos anos, tem progredido no que diz respeito à estrutura da rede de enfrentamento à violência contra mulheres. Ela cita a reestruturação do Centro Especializado de Atendimento à Mulher.

Além disso, a criação da Comissão Mulher Segura da SSP, o funcionamento 24 horas da Delegacia Especializada na capital, a instalação de salas lilases nos Centros Integrados de Segurança Pública (CISPs), a reativação do Fórum Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Rurais, entre outros.

Andréa destaca que ainda não é suficiente. "Esses instrumentos estão concentrados na capital e nas áreas urbanas das cidades-polo e ainda permanecem inacessíveis para muitas mulheres. É necessário investir na descentralização e na interiorização da rede, bem como em campanhas de informação sobre esses serviços direcionadas às mulheres que mais necessitam".

O que diz a SSP

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado destaca que vem atuando de forma efetiva no sentido de elucidar e prender feminicidas. Além disso, argumenta que desenvolve diversas ações, que vão de palestras à oferta de recursos para denúncias de agressão.

A pasta ainda afirma que existe um plano de ação para o combate ao feminicídio em Alagoas, que conta com ações integradas entre as Polícias Civil e Militar para atuar no combate a este tipo de crime.

A SSP diz que disponibiliza o número 190, da Polícia Militar, para atender a casos de ocorrências de agressão em andamento, e o telefone 181 para denúncia de casos que necessitem de investigação, além do aplicativo Salve Maria.

A secretaria ainda informa que está realizando trabalho de inteligência e diversas estratégias "de pronto emprego de efetivo para atuar com prioridade nestes casos. As vítimas que têm medidas protetivas de urgência efetivadas pela Justiça também recebem acompanhamento especializado com visitas solidárias realizadas pela Patrulha Maria da Penha".

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