Polêmica no “X” reacende debate e especialistas analisam regulação das redes sociais

15/04/2024 06:15 - Tecnologia
Por Vanessa Alencar e Gabriela Flores
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A regulação das redes sociais no país voltou ao centro do debate neste mês de abril, depois das polêmicas envolvendo Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A problemática tirou da gaveta – para descartar de vez – o projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet (PL 2.630/2020), conhecido como o PL das Fake News.

A proposta aprovada em 2020 no Senado estava desde então na Câmara dos Deputados, e agora, diante do caso “X”, na semana passada o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL) anunciou a criação de um grupo de trabalho para debater um novo texto acerca do assunto.

O CadaMinuto ouviu especialistas acerca do antigo PL e também sobre equilibrar, em uma nova proposta, questões como o combate à Fake News e outros crimes e a garantia da liberdade de expressão e da privacidade dos usuários das redes sociais.

Sobre o PL 2.630, Andréa Moreira, professora universitária, jornalista e doutora em Ciências da Linguagem, destacou que o projeto “estava tão ruim que o Congresso decidiu recomeçar do zero e com outro relator. E não avançou por causa do lobby contrário à regulamentação, algo que, inclusive prejudica a própria classe política que as pesquisas apontam como as principais vítimas das Fake News... Enquanto isso, o STF e STJ têm avançado no debate diante dos casos concretos que são encaminhados à Justiça, gerando teses importantes e jurisprudência”.

A professora explicou que há entidades que vêm acompanhando de perto o debate sobre a regulamentação, como a InternetLab, centro independente de pesquisa sobre direito e tecnologia: “Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, falou recentemente ao site da Conectas sobre os pontos positivos e negativos das narrativas em confronto sobre o Projeto de Lei. A narrativa que ele considera boa é a da defesa da transparência e ele explica que as plataformas, de fato, são empresas muito grandes e  têm a obrigação e a responsabilidade de serem transparentes no debate público”.

Em relação ao equilíbrio entre o combate à disseminação de Fake News e a manutenção da liberdade de expressão, a doutora entende que é fundamental que a regulamentação seja amplamente debatida com especialistas em comunicação cibernética, competência informacional, algoritmos e computação, além da sociedade civil organizada. 

“Há gente devidamente preparada para construir leis que garantam a liberdade de expressão e protejam a sociedade contra os crimes cibernéticos de toda natureza. Por exemplo, é necessário, já de partida, estabelecer critérios objetivos para se identificar as Fake News e outros tipos de desinformação com rapidez e eficiência”, prosseguiu.

Para ilustrar os problemas que precisam ser combatidos, Andrea citou a análise realizada pela TrustLab,  instituição de pesquisa independente, que revelou que o X apresentou faltas graves e comparativamente superiores àqueles registrados por seus pares nos seguintes quesitos: maior volume de desinformação nas buscas por um termos específicos; maior engajamento em publicações com informações falsas do que naquelas com conteúdo verdadeiro; maior presença de disseminadores de desinformação.

“Entendem a importância dessa análise para determinar o que e como a comunicação por meio do X precisa de regulação? E o que houve depois da divulgação do relatório? Elon Musk demitiu metade da equipe do X, sob a justificativa de que a equipe estaria “sabotando” a política de integridade da empresa. Contornando o impacto das demissões, o colíder da equipe, responsável pelo quesito desinformação, Aaron Rodericks, anunciou a contratação de novos funcionários para a área. Tudo isso ocorreu depois que os ultradireitistas fizeram pressão contra o relatório e a recontratação do pessoal. Não é difícil concluir que estamos diante de uma ‘quebra de braço’ entre aqueles que têm tirado partido e aqueles que são prejudicados com a desinformação”, defendeu.

“Construir leis nesse campo é imperativo neste momento histórico em que a internet é vital para todos os processos e atividades humanas, portanto, essencial à educação, à cultura, à saúde, ao desenvolvimento da sociedade. Não podemos permitir que a mentira, a maldade e a intolerância dominem nossa esfera pública. Temos de impedir que interesses escusos, de grupos econômicos ou governos controlem a internet para silenciar e perseguir seus discordantes, oponentes ou concorrentes e principalmente os agentes reguladores legitimados democraticamente. Isso é fortalecer uma sociedade informada, crítica e plural, com um Estado de Direito que assegure os direitos humanos, inclusive à liberdade com plena responsabilidade”, pontuou Andrea.

O CadaMinuto questionou à professora doutora também especificamente sobre a polêmica entre Musk e o STF. Ela argumentou que não é apenas o Brasil que está estabelecendo limites à ação do X, contrariando esta e outras redes e plataformas multinacionais. “E são elas quem estão promovendo até apagões de dados como lobby contra a regulamentação que é necessária para livrar a sociedade da desinformação considerada recentemente o maior risco global pelo Fórum Econômico Mundial. Ainda mais porque, nos próximos dois anos, haverá 70 eleições no mundo inteiro, duas delas no Brasil. E a desinformação prejudica as escolhas eleitorais tanto quanto as escolhas políticas de um modo geral. Tanto que a União Europeia fez muitas sanções à atuação do X na Europa”. 

Ela lembra que o Digital Services Act, consultora especializada da UE, encontrou a maior prevalência de atores mal-intencionados justamente no X, levando em conta publicações do Facebook, Instagram, do próprio X,  Youtube, Tik Tok e do LinkedIn. “E vale lembrar que Musk é um notório apoiador do republicano Donald Trump, que, neste ano, disputará a eleição presidencial americana contra o presidente democrata Joe Biden. Trump e Musk fazem parte de uma rede internacional de extrema direita, que também inclui figuras como Viktor Orban, da Hungria, Javier Milei, da Argentina, e o próprio clã Bolsonaro. Será que podemos considerar o empresário sul-africano bem intencionado quando cria polêmica com o STF? E é importante recordar também que as eleições municipais deste ano no Brasil têm profundas conexões com a presidencial do ano que vem. Somo todos contra a censura, mas a favor de regulação, o que é muito diferente. O que seria do mundo real sem as regulações. Será que o mundo virtual sem leis pode contribuir ou vai prejudicar ainda mais o mundo real, onde efetivamente vivemos?”, finalizou. 

 

Necessidade evidente

Para o especialista em tecnologia e segurança digital, Valdick Sales, também ouvido pela reportagem, entre os aspectos do PL das Fake News que precisam ser melhorados estão a garantia da proteção dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e a privacidade; a promoção da educação como meio de combate às notícias falsas e de promoção da responsabilidade dos utilizadores; a definição dos termos e conceitos utilizados de forma mais clara e precisa; fortalecer as medidas de transparência e responsabilidade das plataformas no que diz respeito à moderação de conteúdos e à utilização de algoritmos; e garantir a participação da sociedade civil e de outras partes interessadas no processo de formulação e implementação de regulamentos.

“Como ponto de interesse adicional, é essencial garantir que as agências reguladoras mantenham a sua autonomia e imparcialidade e evitar a ocorrência de quaisquer casos de abuso de poder. Ainda há necessidade de mudanças e modificações para garantir sua eficácia e adaptabilidade aos problemas do ambiente online contemporâneo”, ressaltou, afirmando que, dado o enorme papel que as redes sociais desempenham na disseminação de informação, no desenvolvimento da opinião pública e até na condução de processos políticos e sociais, a necessidade de regulação torna-se cada vez mais evidente. 

“Portanto, acredito que a regulamentação é necessária porque busca estabelecer normas claras para o funcionamento dessas plataformas, garantindo assim que as interações online sejam conduzidas de forma transparente, segura e responsável. Neste momento, as redes sociais funcionam num ambiente frequentemente descontrolado. Este ambiente é caracterizado pela falta de regulamentação e responsabilidade no que diz respeito à moderação de conteúdos, à proteção de dados pessoais e ao combate à desinformação. É por esta razão que surgem uma série de questões, incluindo a divulgação de informações falsas e casos de incitamento ao ódio e à violência. Por isso, a regulamentação é absolutamente necessária para atenuar estas questões e proporcionar um ambiente mais seguro e saudável para todos os consumidores que utilizam a Internet”, defendeu o especialista.

Ele chama a atenção, também, para o fato de a regulamentação envolver um equilíbrio cuidadoso entre a proteção dos utilizadores e a garantia da liberdade de expressão e da privacidade. “Esta é uma questão que deve ser cuidadosamente considerada. Para resolver o problema, é necessário construir um quadro regulamentar que se oponha à utilização indevida da Internet e à atividade criminosa e, ao mesmo tempo, garanta a proteção dos direitos humanos fundamentais. Estes direitos incluem o direito à liberdade de expressão, o direito à privacidade e a imunidade contra a discriminação. Além disso, é fundamental incentivar os usuários a se tornarem agentes ativos e responsáveis no processo de criação e divulgação de materiais na internet, promovendo a educação e a alfabetização digital”.

Para Valdick, “estabelecer leis que sejam proporcionais e essenciais, garantindo ao mesmo tempo que não violam os direitos fundamentais dos utilizadores, seria um método eficaz para resolver esta questão” e isto é algo que pode ser conseguido através do recurso a consultas públicas e da participação de uma ampla variedade de partes interessadas, tais como representantes da sociedade civil, empresas tecnológicas e especialistas em direitos de propriedade intelectual. 

“Além disso, é da maior importância que as regras sejam suficientemente adaptáveis para acomodar as rápidas mudanças que estão a ocorrer no ecossistema digital. Isto garantirá que continuem a ser relevantes e eficazes ao longo do tempo”, completou.

O especialista prossegue afirmando que “a proteção contra abusos online e atividades criminosas, a garantia da credibilidade e integridade das plataformas de redes sociais, a promoção da responsabilidade e da transparência entre as empresas de redes sociais e a manutenção da democracia são todas vantagens potenciais que poderiam resultar da possível regulamentação. das mídias sociais. bem como as normas sociais. Por outro lado, existe a possibilidade de que a liberdade de expressão dos utilizadores possa ser restringida, de que a privacidade dos usuários possa ser comprometida, de que possa ser criada burocracia e de que os organismos reguladores possam fazer mau uso do seu poder. Todas essas são desvantagens potenciais”.

“Pelo fato das redes sociais serem espaços públicos de comunicação e interação, é necessário que sejam controladas para garantir a segurança, privacidade e proteção dos usuários. O abuso pode ocorrer quando há falta de regulamentação, e isso pode incluir a disseminação de notícias falsas, discurso de ódio, cyberbullying e outros crimes cometidos online. A regulamentação também pode ajudar a garantir que as plataformas de redes sociais sejam responsáveis pelas suas ações e que a moderação de conteúdos seja conduzida de forma aberta e transparente”, finalizou.

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