O noticiário nacional tem dedicado generosos espaços a um velho inimigo da população nacional e local: o Aedes aegypti, transmissor da dengue, uma doença que faz vítimas como nunca "na história desse país", inclusive fatais.
Eu sei que o tema pode entediar o leitor e a leitora – “De novo, Ricardo?” –, mas eu queria mesmo era falar de um alagoano, combatente sem descanso e sem trégua em defesa da Saúde Pública, contra o nosso descuido quanto à dengue, cuja memória precisa, mais uma vez, ser resgatada e exaltada.
Estou falando do infectologista Celso Tavares, morto em fevereiro de 2020, aos 67 anos. Ele era a voz de um insistente e necessário alerta - muitas vezes pouco valorizado por doutores e potenciais pacientes - de combate ao mosquito que faz tantos estragos desde sempre. Dele, o mosquito, o médico de fala mansa, que prezava por tiradas irônicas e que não desperdiçavam palavras, diria:
- O bichinho quer apenas viver, como qualquer um de nós. Se encontrar as condições ideais para isso, que nós oferecemos tão distraidamente e com tanta bonomia, ele vai tratar de seguir seus objetivos de crescer e se multiplicar. É assim com todos os seres vivos.
Nas muitas entrevistas, dezenas, que fiz com ele, Celso repetia um chiste provocativo e bastante compreensível para os públicos mais diversos:
- Se houver um “show do milhão” sobre a dengue, todos os brasileiros vão acertar e ganhar o dinheiro.
Vítima do deboche injusto de alguns dos seus colegas pela insistência no tema – “uma nota só” -, o infectologista, nascido na belíssima Penedo, ignorava a manifestação desrespeitosa e de puro despeito e seguia na sua missão, assim por ele definida.
(Lembrando que a tese de doutorado de Celso Tavares, professor da Ufal e autor de capítulos importantes da literatura científica, teve como tema a Peste Negra.)
Quando ele “partiu antes do combinado” (Rolando Boldrin), o Aedes aegypti já havia ajudado a demolir reputações sólidas no mundo científico. Caso, por exemplo, de Oswaldo Cruz, um brasileiro reverenciado hoje no mundo inteiro, que na virada do século XX resolveu fazer uma limpa na cidade do Rio de Janeiro.
O alvo era o transmissor da febre amarela - o mesmo mosquito da dengue -, doença que era o principal problema sanitário na capital do Brasil de então. Foi um trabalho braçal e extenuante do cientista e suas “brigadas sanitárias, ou equipes de ‘mata-mosquitos’, como o povo as chamava. Munidas de inseticidas e instrumentos apropriados, elas percorriam diariamente as ruas e casas da cidade realizando a desinfecção de todos os locais onde pudessem ser encontradas larvas do inseto", como diz o texto da Biblioteca virtual Oswaldo Cruz. Essas ações se repetem por esses tempos, por causa, principalmente, do nosso descuido com um tema tão sério.
Mas sua dedicação sem descanso e a sua incomum perseverança nem sempre foram bem-vistas pela massa, tanto que em 1904, e durante cinco dias, o Diretor-Geral de Saúde Pública foi alvo da fúria popular - incentivada por uma imprensa igualmente ignorante -, ainda que por outro motivo: a vacinação obrigatória contra a varíola, no episódio histórico que ficou conhecido como a Revolta da Vacina.
O mosquitinho – atendendo pelo nome de Anopheles (da febre amarela) ou Aedes aegypti (transmissor da dengue, da chikungunya, da zika e da febre amarela urbana) - continua fazendo suas vítimas com o auxílio luxuoso dos humanos, nós mesmos, desdenhosos e convictos da nossa força, mas impotente para combatê-lo.
Segundo o historiador Timothy Winegard, no seu longo, divertido e instrutivo O mosquito, a incrível história do maior predador da Humanidade, ele é responsável ainda hoje pela morte “de mais de dois milhões de pessoas por ano”. E para os que ressaltam sempre a condição de defesa da família, a dos animais minúsculos e mortais forma um exército de “110 trilhões de assassinos”.
Uma estimativa que em nada contribui para o otimismo com a nossa espécie. É o que temos, no entanto, por agora.
(Do Celso, saudades das conversas nas quais eu aprendi tanto.)
Ricardo Mota