Hevelyn Oliveira, Muller Ribeiro e Felipe Neves (Fotos: Renner Boldrino)
“Acreditamos que o indivíduo vem antes da deficiência e, por isso, precisa ser valorizado independentemente das limitações”. A fala é de Ienmily Araújo, estudante de Letras-português e integrante do projeto Labparatodos, um laboratório virtual e inclusivo de parasitologia.
Em meio à turbulência da pandemia, quando a educação e a acessibilidade enfrentavam desafios inéditos, nasceu a iniciativa na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com um objetivo ambicioso: tornar acessíveis as lâminas parasitológicas para alunos com deficiência visual.
À reportagem, a estudante explica que seguindo um Protocolo Operacional Padrão (POP) em cinco etapas, o grupo busca garantir que cada usuário, com ou sem deficiência, tenha acesso a informações de forma equitativa. “Caracterização das imagens capturadas das lâminas parasitológicas, processo de audiodescrição das imagens, revisão da audiodescrição, avaliação, finalização e arquivamento.”

“Assim, para acessibilizar as lâminas parasitológicas, passamos por cada uma dessas etapas e só depois disponibilizamos as imagens das lâminas audiodescritas aos usuários do recurso, seja em texto ou em áudio”, explica a estudante.
A experiência no Labparatodos trouxe não apenas avanços tecnológicos, mas também uma mudança de perspectiva. "Valorizar o indivíduo independentemente de suas limitações é essencial, desafiando o capacitismo não apenas nas salas de aula, mas em todos os espaços que frequentamos."
Plataforma virtual
O Labparatodos está prestes a lançar um aplicativo revolucionário que promete democratizar o acesso à parasitologia, tornando-se equitativo para todos os estudantes, independentemente de suas habilidades visuais.
"Pensamos em reunir no aplicativo Labparatodos as imagens das lâminas parasitológicas e o texto audiodescritivo para que todos recebam a informação de modo equitativo." O aplicativo, fundamentado no conceito de design universal, está sendo desenvolvido com foco na acessibilidade para usuários de leitores de tela.
Ao fazer uso do aplicativo, os estudantes cegos terão a oportunidade de acessar a audiodescrição por meio de leitores de tela, permitindo-lhes criar uma imagem mental do parasito de maneira eficiente.
A equipe acredita que o impacto dessa plataforma virtual será significativo e bastante eficaz. "Além de promover a inclusão, faremos isso de um modo mais rápido e didático." O LabPARAtodos está se preparando para redefinir o cenário educacional, oferecendo uma ferramenta inovadora que quebra barreiras e facilita o aprendizado para todos.
Como surgiu a ideia?
Hevelyn Oliveira, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufal, explicou a trajetória do projeto. "A ideia surgiu durante a elaboração do projeto para inscrição no PIBITI [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação]. Diante da necessidade de distanciamento e da falta de acessibilidade nas aulas de biologia, unimos acessibilidade, tecnologia e biologia", compartilhou Oliveira, ex-bolsista do projeto e atual colaboradora.

A implementação da audiodescrição em imagens microscópicas foi um desafio particular para Oliveira. "Antes de me envolver no projeto Labparatodos, eu já tinha experiência em audiodescrição de imagens, mas a novidade aqui foi descrever detalhes relacionados a organismos microscópicos e conceitos parasitológicos", explicou.
Mas como exatamente o Labparatodos tornou acessíveis essas lâminas digitalizadas? Oliveira detalhou que abordou a audiodescrição por meio de um protocolo estruturado. “Ele foi dividido em várias etapas, desde a caracterização das imagens parasitológicas até a revisão, avaliação e arquivamento. A Tecnologia Assistiva audiodescrição foi implementada em quatro fases distintas."
Conquistas além de troféus
A excelência e o impacto inovador do projeto não passaram despercebidos pela comunidade acadêmica. "Recebemos prêmios de excelência acadêmica em 2020-2021 e 2021-2022 e fomos reconhecidos em diversos eventos acadêmicos", ressaltou Oliveira.
O projeto conquistou o primeiro lugar no Concurso de Ideias Inovadoras durante a Semana Interinstitucional de Pesquisa, Tecnologia e Inovação na Educação Básica (Sinpete) da Ufal e também foi honrado no Prêmio Meninas e Mulheres na Ciência da mesma universidade.
Mas para Oliveira, os prêmios são mais do que simples troféus. "Essas conquistas validam nosso compromisso com a qualidade, inovação e, acima de tudo, inclusão. Inspiramos outras iniciativas na universidade e reforçamos o comprometimento com a excelência e a equidade na pesquisa e na educação inclusiva", concluiu, demonstrando a verdadeira essência do Labparatodos: uma busca contínua pela igualdade e pela promoção da diversidade na ciência.
Desconstruir o capacitismo
Nesse cenário acadêmico, Felipe Neves, pessoa cega, escritor, audiodescritor consultor e licenciando em Letras-Português, assume uma posição de destaque no projeto.
"Contribuímos para a desconstrução do capacitismo através da acessibilidade atitudinal." Com estas palavras, Felipe destaca a abordagem proativa da iniciativa, que antecipa as necessidades de estudantes com deficiência visual, desafiando o estado das instituições educacionais.

"O Labparatodos, até onde pesquisamos, é o primeiro projeto dentro duma universidade brasileira a pensar em inclusão e acessibilizar lâminas parasitológicas para estudantes com deficiência visual, antes mesmo de receber um deles." A equipe, liderada por Felipe, está redefinindo a narrativa educacional ao priorizar a inclusão desde a concepção do projeto.
Felipe ressalta a amplitude do compromisso, estendendo o conhecimento científico a um público mais amplo através das redes sociais. “Nossa prioridade é acessibilizar as lâminas microscópicas para os discentes da graduação, no entanto, não limitamos nossos objetivos aos muros da universidade."
Ele compartilha os desafios ao criar audiodescrições acessíveis, notavelmente ao lidar com lâminas microscópicas. Seu esforço visa garantir que a informação seja acessível a uma audiência diversificada.
“Eu já avaliei diversos produtos e serviços, todavia, consultar a audiodescrição de lâminas microscópicas foi o maior desafio para mim, pois nossa intenção era usar uma linguagem acessível ao máximo de pessoas. Após dias pensando e estudando como fazer isso, conseguimos!”
Veja uma amostra do trabalho do Labparatodos:

A contribuição de Felipe Neves transcende a esfera científica; é um testemunho inspirador de inclusão, superação e compromisso com um futuro mais equitativo. “Desconstruímos o capacitismo com o mais importante: incluindo, acolhendo e integrando pessoas com deficiência nesse projeto pioneiro”, diz Felipe.
Educação universal e inclusiva
Sob a liderança do professor Müller Ribeiro, o laboratório virtual visa não apenas capacitar academicamente, mas também desconstruir a ideia de capacitismo, a discriminação contra pessoas com deficiência.
"Penso que estamos iniciando um chamamento para a importância de pensarmos na inclusão e na acessibilidade não como uma necessidade frente aos alunos com deficiência, mas na perspectiva de estímulo para uma educação universal e inclusiva que convidará, estimulará a entrada e a permanência de pessoas com deficiência na universidade e onde mais elas e eles desejarem", destaca o professor Müller.

O projeto, que evoluiu da fase 1 para a fase 4, é fruto de colaborações valiosas. Hevelyn Oliveira, com seu conhecimento em tecnologias assistivas, e Marianne de Aguiar Vitório Praxedes, especialista em biologia e pesquisa médica, foram peças-chave na criação do protocolo técnico e aplicado de audiodescrição. Felipe das Neves Vieira, um estudante cego de Letras/Português, também desempenhou um papel crucial como consultor, orientando o desenvolvimento e a revisão da audiodescrição.
A escolha da audiodescrição como principal tecnologia assistiva foi estratégica. "A virtualidade seria comprometida se optássemos por modelos didáticos táteis", explica Müller. Assim, com a audiodescrição, o projeto conseguiu capturar imagens microscópicas, descrever estruturas parasitárias e transformar descrições técnicas em audiodescrições sonoras, posteriormente avaliadas por um consultor com deficiência visual.
Müller ressalta a motivação pedagógica por trás da iniciativa: "Questionava-me frequentemente sobre como ensinar microscopia a um aluno cego, dado que a observação visual é fundamental".
A audiodescrição, já reconhecida em áreas como cinema e teatro, surgiu como resposta, preenchendo uma lacuna científica no contexto da parasitologia.
De acordo com o professor, o objetivo é preparar e adaptar o ambiente acadêmico para garantir que todos os alunos, independentemente de suas capacidades, tenham acesso a recursos didáticos de qualidade.
"Necessitamos de financiamento para melhoria e expansão dos nossos processos. A fixação de bolsistas e a manutenção de um software irão consolidar o projeto", conclui o professor Müller, destacando a importância contínua do apoio para tornar o Labparatodos uma referência em inclusão e inovação educacional.