Eu experimento, diariamente, um dos poucos momentos da vida em que desejo e posse se confundem e não se excluem. Creiam: é quando tomo um copo de água de coco gelada, após a minha caminhada natural. O desejado, no caso, não é apenas factível – entrega o que promete.
Ora direis, e não sem razão:
- É um prazer pequeno demais para merecer registro!
Tudo bem: mas como ele me satisfaz! E é de pequenos prazeres, sim, de que estamos falando. Coisas que nos são acessíveis, e que nem por isso deixarão de ser desejáveis, repetidamente. No seu opúsculo Carta sobre a felicidade (a Meneceu), Epicuro (342 a. C./ 27 a.C.), cuja obra praticamente se perdeu no tempo e nos espaços por onde andou, nos brinda com uma provocação mais do que atual.
Disse ele:
- Tudo que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo que é inútil.
É certo que praticamente ninguém consegue resistir, inteiro, aos apelos das inutilidades - na visão do filósofo grego -, além de desdenhar dos bens naturais. Aliás, entre estes, poderíamos relacionar coisas tão simples quanto o cuidado ou o afeto, esqueleto das melhores construções humanas.
Seguramente - o que cada um de nós pode comprovar sem a ajuda alheia - o desejo sempre será de mais valia do que a posse, quando nos carregamos de ansiosas buscas. Este haverá de exigir outro e outro e outro – porque é ele, o desejo, que move a existência do bicho homem. É bem verdade que a sua proximidade com a frustração é tamanha que alguns até deverão achar que o melhor é não tê-lo. Bobagem!
O mesmo Epicuro lembra-nos que “só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir”. E olha que ele não nega o valor do prazer, pelo contrário. Para o pai de uma escola filosófica até hoje estudada e reverenciada, “o prazer é o início e o fim de uma vida feliz”.
Não confundir, claro, com a euforia, tão mais comum aos muito jovens ou aos que se negam a entender e aceitar o passar dos anos. E é aí que ele nos apresenta o seu conceito mais marcante: a ataraxia (palavra grega). Numa explicação rápida, do próprio Epicuro, “o prazer é ausência de sofrimentos físicos e de perturbação da alma”.
Se a maioria de nós há de achar muito pouco, eu me incluo entre os que compõem a insignificante minoria – também aqui. Aos que creem que este é um objetivo facilmente alcançável, eu o aponto como a minha utopia, pequena, mas ainda assim, utopia.
Para quem não conhece o personagem deste breve texto domingueiro e quer ter com ele uma conversa ficcional e quase possível – os livros, creio, têm esse papel -, advirto que o ponto de partida dos princípios defendidos pelo ambicioso (ao seu modo) Epicuro é a despreocupação com a morte.
Nossa, e isso é jeito de começar a busca pelo prazer?
Veja o breve texto abaixo, de autoria do próprio:
“Aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado... Quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que esses não estão mais aqui”.
Repare bem que isso não é um jogo de palavras, mas a maneira mais sensata de encararmos o inevitável – o que não vale para a despedida indesejada, ainda que inevitável, daqueles a quem amamos. É quando ela, a morte, dói impiedosamente.
Como diria o outro, epicurista juramentado (Montaigne), “que a morte me encontre plantando minhas couves, mas despreocupado com ela e ainda mais com a minha horta inacabada”.
Por enquanto, sigo descobrindo pequenos prazeres que consigo alcançar e que me põem na vida, em meio às misérias do cotidiano. E vos garanto: gelada, então, a água de coco matinal faz um sucesso imenso no meu corpo e na minha alma.

Ricardo Mota