O universo encantado do Mestre Jasson

13/12/2023 10:50 - Geral
Por Guilherme Lamenha
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Os povoados e cidades ribeirinhas do São Francisco, em Alagoas, costumam esconder tesouros da arte popular que, quando revelados, são reconhecidos rapidamente no resto do Brasil e do mundo. A exemplo da Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar e Entremontes, em Piranhas, a pitoresca Belo Monte desponta como mais um polo de artistas do entalhe em madeira. 

O mais famoso deles é um mestre que, com seus tronos adornados e carrancas coloridas, tornou-se um dos nomes mais festejados do nosso artesanato. A trajetória de Jasson Gonçalves da Silva, antes de abraçar a arte, se confunde com a de muitos outros lavradores sertanejos. 

Nascido e criado na zona rural de Belo Monte, ele também precisou deixar a terra natal para ganhar a vida. “Comecei muito cedo, tirando lenha, fazendo cerca. Eu me guiava pela lua pra escolher a madeira que não ia rachar, que não ia dar bicho”, conta. Entre os 20 e os 35 anos, Jasson resolveu sair de Alagoas.

Ele lembra que, em Salvador, aprendeu a trabalhar com carpinteiro, cobrindo e “madeirando” casas. “Foi assim que fiz as primeiras peças, fazia um carro de boi com sua carga, aí dava de presente aos conhecidos. Mas não me via ainda como artesão. Quando voltei aqui pra Belo Monte, comecei a mexer com barro”, completa.

Jasson confessa que sempre foi apaixonado pela madeira, ainda na roça. “Eu via um galho e já tirava um bicho com o facão, um pássaro, por exemplo, que já tava desenhado na minha cabeça”, diz. A descoberta de que poderia viver da arte só veio quando ele conheceu os artistas plásticos Maria Amélia Vieira e Dalton Costa. 

“Ela chegou na cidade querendo saber quem trabalhava com artesanato e me achou. Fez uma encomenda de peças em madeira e eu disse que não sabia trabalhar com isso. Ela então pegou um pedaço de imburana e mandou eu cortar em dois, pra fazer um casal de bonecos, com meio metro cada um. Eu mesmo me admirei com o resultado, recorda.

Esse foi apenas o começo de uma carreira que despontou para o Brasil com as cadeiras que mais parecem tronos. “A primeira cadeira que eu fiz tinha até medo de sentar, porque não tinha nenhum prego, só pino. Daí pra cá não parei mais. Faço elas assim, depois pinto, coloco os adornos. Parece mesmo um trono”, diz.  

O artista conta que trata a madeira como se fosse um ser vivo. “Ela mesmo se explica como quer ficar. E isso é uma coisa incrível, difícil de explicar. Parece uma força que pega na minha mão e faz”, completa. 

Mestre Jasson encontra terreno fértil para sua arte na fantasia representada pela  exuberância imagética do sertão. As famosas cadeiras, as carrancas, os animais, os santos católicos e até os seres imaginários: tudo que a imaginação alcançar ganham vida a partir do entalhe da madeira e do uso das cores, vivas como a natureza que brota na caatinga. 

Apesar de trabalhar há décadas como carpinteiro, a arte de Jasson foi uma descoberta que veio com maturidade. Em 2016, depois de participar de uma imersão com artesãos da Ilha do Ferro, que reuniu designers e artistas plásticos no Projeto Afluentes. 

Foi quando o universo fantástico criado pelo mestre ganhou os salões de exposições, os eventos do setor e o interesse cada vez maior de curadores, galeristas e lojistas de todo país.

“Quando alguém me elogia, fico meio flutuando no ar. Caço a terra embaixo dos pés e não acho. Na verdade, acho que faço o que as pessoas gostam de ver. E eu aprendo com cada pessoa. Eu dou vida ao que já está dentro da madeira”, afirma sem esconder a emoção. 

Escolhendo as palavras, ele diz que talvez seja esse o segredo. “Parece uma coisa estranha e é. Porque eu mesmo não sei explicar. Quando dou fé, tá feito”, resume com timidez um dos mais respeitados artistas populares de Alagoas. 

 

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