Filósofo ou filósofa para mim é a pessoa que consegue ter clareza para enxergar e traduzir as situações da vida para além daquilo que alcançam as pessoas comuns - a grande maioria de nós. É claro que todos nós temos os nossos momentos de lucidez invulgar, principalmente se exercitamos esse bem comum a todos os espécimes da nossa espécie: a arte de pensar.

Entendendo arte, aqui, como exercício da alma (coração e mente).

Faço esse brevíssimo preâmbulo apenas para apontar o dedo – não chega a ser acusador – na direção dos retóricos considerados grandes oradores pelo senso comum. Até porque tendemos a achar que o melhor discurso ou conjunto de afirmações/negações é aquele que vem ao encontro do que pensamos. Ou seja: se a forma até nos parece superior e quase desconhecida, o conteúdo já nos é íntimo ou próximo disso.

Aí chegamos ao “deus mudança”, irrefreável, seja em que plano o enxergamos.

“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando ”- alertou Tatarana, o filósofo jagunço de Guimarães Rosa (este integrante o meu “capital simbólico” particular).

Para mim não é apenas uma frase, carregada de filosofia e da poesia que nasceu lá em Cordisburgo, nas terras de Minas Gerais. Por antecipação, pelo tempo que a conheço e reconheço, ela me protegeu de algumas potenciais culpas pelas mudanças que a vida insiste em imprimir na minha alma vagabunda, sempre à procura de um banquinho de beira de estrada, onde eu possa parar antes de buscar um novo caminho.

Deixo claro: não sou um irrequieto revolucionário, atormentado pelo momento presente. Mas imagino que o acumulado de pequenas e invisíveis mutações vai, sim, em algum instante, revelar alguma novidade sobre mim – porque é o que acontece com todo mundo. Ser o mesmo sempre, em qualquer fase da vida, não precisa ser tedioso, mas acho que revela a eterna busca pelo tempo perdido. E se perdido o tempo, perdido está, acho.

Tanta divagação para contar um pouco sobre as cobranças que recebo, principalmente de alguns mais próximos, que não passam pelos mesmos processos que eu e que continuam gostando e se apegando às coisas da infância, da juventude, de anos bons que se foram – e não há nenhum mal nisso. 

É um problema de calendário? Eu envelheci mais rapidamente do que a maioria das pessoas?

Posso admitir que sim, e se essa explicação bastar para o mundo do lado de fora da minha alma, melhor. Deixo claro que nem me arrependo nem acho que foi perda de tempo me comportar e gozar cada fase da minha já longeva existência em absoluta correspondência aos meus contemporâneos. E como foi bom!

Só que, eis o busílis, fui encontrando outro modo de vida em que me encaixo quase sem arestas e sem as expectativas de outros tempos. E aí é que ganha ainda mais sentido a revelação de Riobaldo, o personagem que nos aponta – sim, e por que não? – que ainda não somos o que podemos e haveremos de ser, mesmo que os sinais não sejam tão cristalinos enquanto o acaso opera.

Quem já leu os Ensaios de Montaigne, o meu filósofo de cabeceira – é quase um amigo físico e pessoal -, há de saber que ele se deu a liberdade de mudar, de se transformar, sem constrangimentos ou remorsos. 

Na verdade, imagino, estamos sempre em busca da melhor adaptação ao ambiente, também mutante, em que vivemos. E se as mudanças no corpo são visíveis – e tem muita gente que investe tentando disfarçá-las -, as alterações mais profundas acontecem no território inacessível aos olhos.

Em resumo, é isso que eu sou hoje, o que não há de interessar a muita gente. Mas tenho de admitir: estou mudando e não sei para onde - apenas vou indo.