Clarice Lispector aprendeu a andar em Maceió

06/11/2023 19:58 - Geral
Por Guilherme Lamenha
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As três irmãs Lispector, em foto da década de 1920, Tania, Elisa e Clarice, que se tornou uma das escritoras mais importantes do Brasil

Pouca gente sabe, mas Clarice Lispector, uma das maiores escritoras da Língua Portuguesa, deu seus primeiros passos em solo brasileiro aqui em Maceió. Ela nasceu na Ucrânia em 10 de dezembro de 1920, mas a família precisou fugir da perseguição aos judeus na Europa Oriental. Aportaram no Nordeste, mais precisamente em Alagoas, em 1922, embora alguns especialistas defendam que a chegada foi em fevereiro de 1921.

A autora de Perto do Coração Selvagem encontrou uma capital pequena, provinciana. Segundo o biógrafo Benjamin Moser, "Maceió não tinha mais do que um punhado de famílias judias (...). Embora o cais fosse ornado com sua réplica da estátua da Liberdade (...), a cidade não contava com mais do que sete cafés, seis hotéis e três cinemas".  

Moser diz ainda, na biografia Clarice, publicada em 2010, que "não acontecia muita coisa em Alagoas, nem jamais acontecera". Ele fala de Zumbi dos Palmares, da eleição de Fernando Collor à presidência da República, mas segue com a mão pesada quando se refere ao novo lar da família Lispector: "era um lugar atrasado, na parte mais pobre do país". 

No final do parágrafo, porém, parece concordar que "Maceió, com suas praças coloniais cobertas de coqueiros e tamarindos, com seu mar azul salpicado de jangadas, com certeza deve ter parecido atraente", depois de todo sofrimento da família em sua fuga da Rússia ao Brasil. 

Outra biógrafa, a professora Nádia Battella Gotlib lembra que foi também na capital alagoana que a família adotou nomes brasileiros: o pai Pinkhas virou Pedro; a mãe, Mania, passou a ser chamada Marieta; das três filhas, apenas Tania manteve o nome; Leah virou Elisa e a caçula Chaya virou Clarice.

Antes da família seguir para Recife, e depois para o Rio de Janeiro, as meninas começaram a aprender o português, língua-materna de Clarice, como fazia questão de afirmar. Em 1977, já consagrada como escritora, ela lançou o último romance publicado em vida,  A Hora da Estrela. O livro é sobre a vida de uma singular nordestina, não por coincidência alagoana: Macabéa. 

Para os especialistas da obra da autora, nada mais natural do que escolher Alagoas como lugar de nascimento da personagem, marcando assim uma volta à própria origem. Nascida no sertão, Macabéa mudou para a capital depois de ficar órfã, quando passou a morar com uma tia. Não cabe aqui descrever aqui a trajetória completa da personagem, sua migração para o Rio de Janeiro e tudo que aconteceu (ou deixou de acontecer) por lá. 

Vale a pena ler o livro e descobrir um pouco mais sobre essa ‘estrela’ que não achava que era gente, mas que tinha momentos de inexplicável felicidade: “no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício”.

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