A dor é uma velha senhora, tão velha  quanto o Homem, sempre disposta a surpreender algum desavisado. Difícil é se prevenir contra ela, o que serve para qualquer um de nós. Falo, aqui, da dor da alma, aquela que machuca impiedosamente e para a qual os médicos não dispõem de uma precisa prescrição.
 
É claro que a nossa relação com a dor – aquela dor - varia de pessoa para pessoa. E se tantas vezes até exigimos que alguém melhore, seja mais generoso, como consequência de alguma perda significativa - e esta parece ser a dor mais atroz -, é porque teimamos em não entender a natureza humana.
 
A dor não melhora ninguém. Em absoluto. Ela pode, sim, nos fazer refletir e compreender um pouco mais sobre a brevidade da existência, que, às vezes, nos rouba até o tempo necessário para pedir perdão – se necessário e desejado. Mas não há de inventar a generosidade, a empatia e o amor onde eles não existiam antes do baque. 
 
Há, no caso das perdas, um imediato e profundo sentimento de injustiça, que pode até nos levar a ser cruelmente injustos, mesmo que apenas no desejo. Lembro-me bem de uma pessoa, que felizmente recobrou sua serena bondade, a manifestar uma sincera revolta quando vivenciou a mesma e insuportável dor que me afligiu um dia. 

Dizia-me, com rancor lancinante, que gostaria que todos sentissem na pele – na alma seria mais preciso – aquela trágica experiência. Era injusto, protestava, que fosse ela a ser tragada pela desgraça. Há de saber, hoje, que a morte nunca pretendeu ser justa, muito menos para os que são lançados aos braços friorentos da saudade.
 
“O que não me mata, me fortalece”, disse Nietzsche, o filósofo alemão que morreu louco, em 1900. Aliás, a loucura é o último recurso, suspeito, que a alma encontra para aplacar uma dor insuportável. Mas, em verdade, a força que “ganhamos” é aquela que não imaginávamos ter, mas sem a qual sucumbiríamos diante da vicissitude extrema. De novo, temos de tirar do único lugar possível de achar o que tanto precisamos: dentro de nós mesmos.
 
É claro que os nossos bem-quereres são parte fundamental do nosso reencontro com a vida, quando nos perdemos no breu do tempo. Entretanto, ninguém será capaz de se reinventar do vazio. Ajudar a irrigar a semente da nossa inimaginável capacidade de adaptação ao mais íngreme ambiente é a tarefa única e indispensável para quem aposta no próprio resgate, ainda que tateando, farejando, auscultando, às cegas.
 
Raduan Nassar, escritor brasileiro menos conhecido do que merece, afirmou, em entrevista ao Caderno de Literatura Brasileira, que “só quem tem autoridade para falar de uma dor é quem já a vivenciou”. Há muito de verdade na frase, o que não vale, imagino, para os que vivem de perscrutar a alma humana: artistas, poetas, escritores. 

Mas entender o corte da lâmina dentro do peito é apenas um passo para uma jornada que pode ter distâncias as mais diversas a percorrer - é cada um na sua trilha única, sem se permitir tropeçar na autocomiseração, uma armadilha fatal. Detalhe: para se chegar sabe-se lá onde.
 
E como esta crônica precisa ter um desfecho: o tempo ainda me parece ser o melhor remédio – até para o que não tem cura.