Em Alagoas, 88,4% dos membros do Ministério Público Estadual (MPE), que inclui promotores e procuradores de Justiça, são brancos ou amarelos, enquanto apenas 12,6% são indígenas, pretos ou pardos. Já em relação aos servidores do MP, apenas 32,3% são negros. Os dados foram divulgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A pesquisa, realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisou informações de 83.992 vínculos, sendo 13.008 membros, 53.057 servidores e 17.927 estagiários, e teve por objetivo central produzir um diagnóstico da composição étnico-raciais.
Desigualdade racial
Ao CadaMinuto, Mayara Heloise, advogada criminalista, destaca que esse número alarmante reflete uma série de desigualdades enfrentadas pela população negra. "Estamos falando de acesso à educação de qualidade, evasão escolar e falta de professores, que afetam principalmente pessoas negras e pobres", afirma.
A falta de diversidade no Ministério Público tem implicações diretas no sistema de justiça. "Nos processos onde a maioria das pessoas presas são negras, como tráfico de drogas e roubo, muitas condições postas são resultado do racismo", explica Heloise.
Perfilamento racial, abordagem, busca-apreensão e violação de domicílio são questões frequentes. Mayara avalia que isso influencia nas denúncias feitas pelo MP, levando a um ciclo preocupante de desigualdade.
Ela também enfatiza a necessidade de representatividade qualificada: "Pessoas negras nesses espaços precisam entender o que representam e ter consciência racial. O Ministério Público pode promover políticas públicas dentro do próprio órgão e nas comunidades para combater o racismo de forma mais eficaz."

A advogada cita, ainda, um exemplo recente de ação do Ministério Público em Alagoas que demonstra a importância da representatividade. O órgão emitiu uma portaria para avaliar a mudança do nome da principal avenida de Maceió, a Fernandes Lima, devido ao seu histórico ligado à quebra de terreiros religiosos afro-brasileiros.
“É importante que os promotores de Justiça que fizeram isso sejam engajados na causa de defesa dos direitos humanos, mas ações como essas são necessárias. Já se passaram mais de 110 anos para que houvesse essa iniciativa e, ainda assim, precisa de mais força. O trabalho do Ministério Público precisa de mais força”, frisou.
Racismo institucional
A ativista pelos direitos humanos, professora e membro da Bancada Negra de Alagoas, Alycia Oliveira, destaca o racismo como uma estrutura de opressão que permeia as instituições da sociedade. "O racismo trabalha com a retroalimentação entre as instituições sociais e a sociedade", diz Oliveira.
Ela enfatiza que a herança histórica de Alagoas é fortemente marcada pelo racismo estrutural. "As pessoas negras em Alagoas herdam uma Constituição historicamente constituída para privilegiar pessoas brancas", afirma.
Em relação à baixa representatividade racial no Ministério Público Estadual, Alycia ressalta que isso limita o foco na questão racial dentro do órgão. Ela argumenta que a vivência de pessoas negras produz um maior senso de fiscalização e denúncia contra atos racistas cometidos pelo Estado ou grupos privados: "A falta de experiência social negra nos espaços de poder reflete o distanciamento em relação ao racismo".

Alycia Oliveira destaca que o movimento luta contra o racismo institucional e aborda uma série de questões, desde o ambiente escolar até a representação de mulheres negras na política. Ela aponta que a sociedade tem apoiado essas lutas, mas também reconhece as dificuldades cotidianas.
Questionada sobre como diminuir essa disparidade, Oliveira exalta a importância de cumprir as leis existentes, especialmente aquelas que promovem políticas afirmativas. "É por isso que achamos importante que negras e negros ocupem espaços de poder", diz. Ela também aponta para a necessidade de uma sociedade vigilante e instituições comprometidas com políticas públicas, que promovam uma sociedade verdadeiramente antirracista.
O que diz o MP?
À reportagem, o MPE informa que a assunção ao cargo de promotor de Justiça se dá por meio de concurso público. “O candidato aprovado passa por várias etapas, inclusive de títulos, como nos demais concursos em todo o Brasil, e, consequentemente, é nomeado pela ordem de classificação”.
“O Ministério Público do Estado de Alagoas acredita na possibilidade de maior número de membros negros, via concurso público. Destacamos que o atual Procurador-Geral de Justiça, reconduzido ao cargo, declara-se pardo e o Presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas (Ampal), recentemente reeleito, declara-se negro”, informou.
*Estagiária sob supervisão