O advogado Hery Waldir Kattwinkel é um tipo bastante comum por esses tempos. Ele esteve no STF fazendo um showzinho, medíocre e tolo, na grande oportunidade da sua vida de ganhar alguns minutos de fama. Passou vergonha, é verdade, ao confundir o autor de uma frase bem popular: “Os fins justificam os meios” - que ele atribuiu ao escritor e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry, no seu clássico O pequeno príncipe.

O ministro Alexandre de Moraes também errou, ao corrigir o advogado lacrador, ao citar Maquiavel como pai da criança. Na verdade, este é o poeta romano Ovídio – está na internet, onde colhi a informação, sem nenhum constrangimento.

E eis o busílis: a rede mundial de computadores oferece muito para quem quer aprender, mas pode ser – e é – uma armadilha para “intelectuais” de ocasião. Se o causídico tivesse a mínima noção do grandíssimo personagem eterno de Saint-Exupéry, jamais atribuiria a ele o dito, muito usado na filosofia consequencialista (ou na mais pura manifestação de cinismo, se queremos ser mais honestos).

Fato concreto é que se navega muito pelos inúmeros sites de frases, com o fito claro de impressionar, mas há de se lamentar que isso não provoque a curiosidade do “erudito das citações” para ir além. E como tem gente, cada vez mais, a buscar desesperadamente encaixar na conversa, informal ou não, a frase que pontua da parada de sucessos do momento, decorada e nem sempre compreendida (era o caso do personagem do STF)!

Quem se dá ao trabalho de acompanhar este espaço domingueiro sabe que eu sempre gostei, e até me socorro, de intertextos e citações. Racionalmente, porque eles me chegam como a melhor maneira de dizer aquilo a que estou me propondo ou defendendo. E, cá para nós, eu bem sei também que os citados são, ao fim e ao cabo, o argumento da autoridade, às vezes bastante conveniente a um texto curto, dispensando maiores explicações e novos argumentos.

A minha paixão por livros – a outra é a Biologia – já me fez pensar que eu segui o caminho profissional errado: deveria ter feito algo mais ligado às duas áreas citadas. Mas acho que razão tem mesmo o meu amigo poeta Sidney Wanderley, que me apontou esse equívoco antes que eu pudesse cometê-lo – e nem haveria mais tempo.

Ele contou que conhece muita gente da área acadêmica de literatura, por exemplo, que não consegue mais ler um livro completo se este tem mais de duzentas páginas: o tédio chega célere, porque a semente do prazer não brota mais. Pode ser, mas fato é que já não contabilizo como erro aquilo que não fiz, e continuo colecionando - e replicando - boas frases com as quais me deparo em obras maravilhosas (ou nem tanto).

Um dia desses, ao ler um autor de crônicas bem curiosas e engraçadas, descobri a fonte onde bebe um dos meus interlocutores frequentes: o autor das frases que ele repete com gosto e entusiasmo é um personagem que escreve muito bem, é um refinado leitor e mantém um blog para iniciados na área dele, cheio de sarcasmo e refinado humor (preservo autor, interlocutor e área, por desnecessário citá-los).

Sei também que há cursos particulares para empresários e executivos que queiram causar boa impressão por onde passam. Os professores, os intelectuais de fato e como tal mal pagos, ensinam “truques” aos seus alunos, para que eles possam brilhar em eventos sociais ou corporativos. Um jogo de cena, de maus atores e plateias, em regra, de ricos muito pobres. 

O caso é antigo, já alertou Schopenhauer, para quem “na maior parte dos homens, a vaidade inata é acompanhada de loquacidade e inata desonestidade”. É verdade que o filósofo alemão (nascido na Polônia) era muito mal-humorado, mas não se pode negar que foi um grande leitor da alma humana e, por isso até, merece ser citado quando surge a oportunidade. Ao atacar o tema, o fez para os dois lados, “artista” e plateia: 

- Os incultos têm um respeito particular por floreios gregos e latinos.

(É saber que é mais estúpido.)