O dramaturgo grego Sófocles, autor de Antígona, tragédia encenada até hoje pelos palcos do mundo, morreu com 90 anos, tendo atravessado praticamente todo o século V (conta-se que ele morreu sem fôlego ao declamar sem pausa e sem respirar a sua peça mais famosa).

Poder-se-ia dizer que foi muito tempo de vida, considerando os conhecimentos científicos e de saúde pública de então (saneamento básico, vacinas etc.) e a própria história da nossa espécie. Afinal, até o início do século XX, a expectativa de vida média dos humanos era de 40 anos. Eu, por exemplo, já poderia estar fora de circulação há 25 cinco anos, pelo menos, para alegria de uns tantos que me tomam por inimigo, apesar de só sabê-los a distância. 

Outros grandes da História, assim como o imenso grego, também morreram velhinhos e sábios: Michelangelo viveu até os 88 anos; Isaac Newton, 84; Galileu Galilei se foi mais moço – 77 anos (não nos esqueçamos, porém, da ótima sacada de Rui Barbosa: “Os canalhas também envelhecem”), e só encontrou reconhecimento na posteridade. 

Mas eu quero mesmo, neste momento, é tomar de empréstimo os versos de Sófocles, na Ode sobre o homem (Antígona), que se tornaram imortais - portanto, sem idade: Múltiplo é o estranho /Mas nada mais estranho/Há acima do homem. Você pode lê-los como um contraditório ao que disse Terêncio Afro, poeta romano que morreu com 26 anos, no século II, mas que deixou sua marca na sabedoria humana. Quem nunca ouviu a frase: Nada que é humano me é estranho? Pois sim, é dele, do Afro que não era descendente, pelo menos no que conhecemos hoje e que diz respeito a mim, por exemplo.

Prefiro juntar os dois ensinamentos, até porque já não consigo mais separá-los, entendendo – assim imagino – a perplexidade de ambos diante dessa espécie tão contraditória em si. Ao fim e ao cabo, concordo com Terêncio, à medida que vou me dando conta daquilo que eu poderia ser capaz, não fossem os freios da consciência – meio herança cultural; meio aprendizado do que incorporo à minha consciência primária.

Todo esse preâmbulo, para confessar que por agora já não consigo me enquadrar entre os que seguem as escolas batizadas com nomes – ainda que grandes nomes - de personagens humanos. Mesmo Montaigne, a quem vivo permanentemente pedindo socorro nessas linhas mal traçadas a cada domingo, não me parece exatamente uma escola. Se bem o entendo, e não sei se o entendo bem, ele nunca se pretendeu uma escola. Tinha como referência Sócrates, que levou como base da sua filosofia a frase Conhece-te a ti mesmo, que herdou do Oráculo de Delfos.

Enfim, continuamos todos mortais, eis no que creio, enquanto as ideias, quando precisas e profundas – mesmo se banalizadas –, cortam os séculos da história humana. Há de ser dizer que elas mesmas, as ideias, são criações humanas, com o que concordo completamente. Mas também entendo que esses seres “criativos e poéticos” podem ser maus o suficiente para matar as próprias ideias. 

Já vimos muito disso, ao longo da história. Uma gente que se apoderou da bondade, pregando-a quando lhe foi conveniente, para enterrá-la na primeira chance surgida. O freguês pode escolher o personagem que melhor se encaixar no seu julgamento dos perversos. Eu tenho cá comigo os meus – que seguiram o mesmo caminho: boas ideias com homens ruins.

Como avalio, então, as referências que eu vou acumulando ao longo do tempo, se já naveguei tanto tempo nos mares da humanidade/desumanidade? 

Tento seguir, quando as compreendo e se as introjeto, as ideias que possam me fazer escapulir daquilo que pareceria estranho a Sófocles, e um bem comum, a Terêncio. Do ponto de vista do indivíduo, e é do que trato aqui, isso não me parece um caminho ruim, sabendo que o mal também pode habitar a minha alma – a de todos, na verdade, mesmo quando soa estranho.

Do ponto de vista coletivo, das sociedades, creio que há mais precisão nos escritos de Eric Hobsbawm, o grandíssimo historiador e pensador inglês, que se foi em 2012, não sem nos servir a sua magistral compreensão dos homens e das ideias. Foi um recado direto ao poderio bélico dos EUA, que reduziram a pó alguns países do Oriente Médio com base em uma mentira (armas químicas), hipocritamente defendendo a “democracia e a liberdade” ("Teu nome é petróleo!"):

- As ideias não viajam em tanques.