Como integrante do bando de meninos da Buarque de Macedo e arredores, eu também andava por ali pela travessa da Rua França Morel, no Centro da cidade. Tudo no entorno fazia parte do território em que éramos reis, ainda que os mais simplórios plebeus.

De hábito, sempre depois do almoço, sentávamos no muro da casa do Dr. Mello Motta, médico respeitado e ex-deputado estadual. Como político, aliás, ficou conhecido pela integridade e pela coragem, tantas foram as ameaças que recebeu e encarou, no período em que os Góis Monteiro mandavam – e muito – por aqui (ver o ótimo site História de Alagoas, editado pelo jornalista Edberto Ticianeli). Só adulto vim a conhecer a grandeza daquele homem, já bem maduro à época, tão cordial e que tinha uma paciência oceânica com os moleques que provocavam, diariamente, uma ensurdecedora algaravia naquela que seria a sua hora da sesta – não a nossa, está claro.

Ali falávamos sobre quase tudo: rudimentos de política, futebol, cinema, música e – por que não? – da vida alheia, exercitando o mais universal de todos os esportes humanos. Eis que um dia, embaixo daquela amendoeira de sombra generosa, chegou Roberto, morador da travessa, ainda “palitando” os dentes:

- Acabei de comer uma manzana!

- ????

- Parece até com maçã, tem foto na caixinha e tudo, mas se chama manzana e é argentina.

Demorou para que a ficha caísse e aquele grupo de adolescentes sem qualquer intimidade com outro idioma, que o não “brasileiro”, entendesse do que se tratava. Resultado: para todo sempre, nosso querido companheiro de jornadas esportivas e diálogos impertinentes carregou como nome de batismo a alcunha de Roberto Manzana – assim, com maiúscula, como cabe a qualquer sobrenome que se preze.

Ele havia vivido um momento de sobrançaria infantojuvenil, pagando o preço justo por isso. Afinal, a imagem da maçã é universal, em qualquer idioma, tem até história na ciência: foi a queda de um fruto da macieira – conta a lenda – que levou Isaac Newton a descobrir a gravidade. Aliás, uma das principais sacadas científicas da história da humanidade.

Mas nem todo mundo aceita que qualquer imagem de uma maçã, como aquela estampada num pequeno caixote made in Argentina, seja uma representação das maçãs do mundo inteiro, como advertiria Platão. 

É o caso, por exemplo, da Apple, empresa de produtos tecnológicos, que se meteu numa das mais estúpidas encrencas do mundo corporativo. Leio no noticiário internacional que a fabricante do iPhone, objeto do desejo de consumidores apaixonados no mundo inteiro, está processando uma loja de frutos com 111 anos de existência. Motivo: a Fruit Union Suisse usa como logotipo uma... maçã!

A arrogante indústria americana provocou tribunais internacionais para que lhe seja garantido o direito de uso exclusivo da imagem da fruta proibida. Se assim fosse, “A Bela Adormecida”, no seu enredo, deveria morder uma banana - a que eu prefiro – para não ter de responder na Justiça. E olha que a logo da loja suíça não é nem a maçã mordida que a gigante da tecnologia traz nos seus produtos; é uma maçã inteira com uma cruz cravada no meio do fruto, lembrando o símbolo que orna a bandeira daquele país.

Está claro que a Apple quer se apropriar de uma imagem que a natureza nos deu e dá de graça, numa manifestação de soberba bem própria dessa turma das big techs.  

E elas não brincam em serviço. Buscam se apoderar e comandar, definitivamente, os nossos gostos e pensamentos. Seríamos nós – ou seremos, como elas projetam – a verdadeira inteligência artificial, usada exclusivamente para lhes dar o maior lucro possível com o mínimo de trabalho. Inegavelmente, já avançaram demais no seu intento, apavorando, principalmente os que ainda acreditam que podem ser parceiros, ao menos, daquilo a que se costumou chamar de destino.

Monopolistas, todas, não se dão por satisfeitas em controlar o mercado da internet e similares, e agora, está posto, parece que querem fazer da Natureza um produto exclusivo que só elas poderão usar e vender. Ainda que eu não goste da projeção de um futuro puramente distópico, passo aqui para lembrar que o símbolo, a logomarca, do Twitter é um pássaro, ou bird, ou oiseau, ou pájaro - todos cantantes e voantes em qualquer das línguas dos homens.

Enquanto podem.