O maior desafio que a gente pode enfrentar não é fazer coisas diferentes sempre, mas fazer as mesmas coisas todos os dias. E se manter atento aos nossos atos. Até porque é grande a chance de erro, por movimentos repetidos e ações que realizamos, quase que automaticamente, no cotidiano.
De quando em vez, me penitencio por um descuido que resultou em erro. Já não me sentencio à morte nesses casos, mas ainda sinto uma pontada no peito por não ter dado a devida atenção ao que surge, ao fim e ao cabo, como malfeito. Mas é isso: nunca haveremos de saber o quanto o acerto deve aos erros (assim mesmo, no plural). Até porque só aprendemos mesmo com os nossos – mais com os erros do que com os acertos.
Já confessei aqui: gosto de rotina e funciono com ela. Os hábitos são parte indissociável da minha personalidade, seguindo aquela máxima de Aristóteles:
“O hábito é uma segunda natureza”.
Mas ele também completou:
- Como não se pode mudar a natureza de um homem, é preciso mudar os seus hábitos.
Então, em algumas voltas da vida, troquei os que eu tinha pelos que precisava. Foi assim que atravessei a pandemia sem maiores sofrimentos. Adaptei-me tão prontamente ao tal do home office que até estranhei, de certa forma, a narrativa de sofrimentos que ouvi no período, ainda que me soassem sinceros e verdadeiros. Talvez porque, especulo, eu já vivesse com algum prazer o meu home ócio.
Gostar ou não gostar do nosso cotidiano, aí é outra história. Isso vale para a profissão, creio, e para as relações pessoais e de afetos. Cotidiano, repito, não há de ser descuido e/ou sofrimento. E embora eu entenda aqueles que sentem a necessidade constante de mudança de ambientes e de convívios, este não é o meu caso.
Tenho um amigo querido que diz em tom de blague que eu sou um “cabra morredor”, por seguir prestamente os mesmos horários, realizando as minhas previsíveis tarefas quase sempre nos mesmos lugares e nos mesmos dias da semana (supermercado, por exemplo, caminhadas, padaria).
Digo a ele que, mesmo sabendo que aqueles que, imagino, me têm como inimigos, sem exceção, são gente que mata gente, ainda assim, me tornei um escravo de hábitos e da rotina - sem desejar a minha liberdade. Que não soe à valentia, não é o meu caso, apenas uma acomodação a um jeito de viver – e não de morrer – a que me habituei com algum conforto.
Risco?
“Viver é muito perigoso”.
Isso não me provoca tédio, lamento, até porque aprendi desde a adolescência a ganhar tempo na vida, numa equação absolutamente pessoal: fazendo o que preciso sem postergação, a fim de ter mais tempo para as coisas que me põem bem adaptado à vida.
Aprendi com o mestre tempo que a disciplina me salvou da preguiça, esse animal enorme que teima em descansar sobre os meus ombros. Se Luiz Melodia cantou que “o corpo é natural da cama” (Presente cotidiano), o meu resolveu se espalhar mesmo numa rede, posta numa varanda, preferivelmente, todos os dias em que for possível, a exercitar apenas os olhos que acompanham as linhas de algum escrito. Assim faço, previno, depois de suar bastante pela manhã, logo cedo – no mesmo lugar, na mesma hora –, e ainda dedicar algumas horas do meu dia a uma lida que já consumiu 44 anos da minha existência.
É bastante provável que isso não seja o que a grande maioria das pessoas espera para as suas vidas, mas o que eu já vivi me ensinou que a mudança, quando se faz necessária, se impõe e atropela tudo e a todos.
Desconfio, o que não significa que eu esteja certo, que quem procura sempre a novidade para se sentir vivo, na verdade, não guarda grande apreço por aquela companhia que lhe é mais frequente. Eu diria: inevitável e indescartável, salvo quando tudo não mais existir aos seus olhos.
Aí é não esquecer nunca: quando a gente se muda, se leva junto.

Ricardo Mota