Foi graças ao seu excepcional Ensaio sobre a cegueira, que nos faz enxergar aquilo em que nos tornamos, como espécie, que José Saramago ganhou o primeiro Prêmio Nobel concedido a um escritor de língua portuguesa. Foi em 1998, e de lá para cá não houve sinais de que isso pode se repetir.
O grande mérito, em minha opinião, da premiação da Academia Sueca é divulgar grandes autores de países tidos como periféricos na produção literária para todo o mundo, resultado da divulgação dos ganhadores do Nobel.
Incomoda-me um pouco que Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Machado de Assis – há outros, ao gosto do freguês – sejam conhecidos apenas no meio acadêmico e intelectual dos países que mais leem no planeta. Não estamos, infelizmente, entre estes (não trato aqui do zap e redes sociais). Acho que perdem aqueles que ignoram nossos criativos das letras.
Do Bruxo do Cosme Velho, creiam, guardo uma frase que expressa com absoluta clareza a sua profunda visão de mundo e dos homens, ainda que ele não fosse um misantropo (e bem que poderia sê-lo). Está no desfecho do genial Memórias póstumas de Brás Cubas:
- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Valeu para o personagem, valeu para o autor. Ainda assim, o legado do imortal Machado de Assis se perpetuou pela sua capacidade de ler a alma humana, o que talvez explique muito da sua falta de entusiasmo com as causas do seu tempo, o que hoje lhe é tão cobrado.
Incapaz de se dar por satisfeita, a nossa espécie busca e acredita que alcançará a imortalidade biológica – e não apenas através dos descendentes. Em Homo Deus, uma breve história do amanhã, o escritor israelense Yuval Noah Harari sugere a possibilidade de que a expectativa de vida média do Homem pode alcançar os 150 anos ainda no presente século. Lembrando que em 1900 era de 40 anos, uma idade que os avanços científicos tornaram uma “nova juventude”. Até esta já me abandonou, e há muito, embora não tenha tanto a lamentar, por enquanto.
O fato mais evidente é que a população mundial está envelhecendo, e nos países tidos como desenvolvidos, a opção por criar animais domésticos (viramos “tutores”!) é crescente, e o número de crianças nas ruas vem caindo. Convenhamos, as cidades tendem a se tornar mais tristes, pelo visto, e o barulho mais acentuado vai deixando de ser, gradativamente, a deliciosa algaravia dos futuros donos do planeta.
Até no Brasil, um país do futuro, título original da obra de Stefan Zweig, um judeu austríaco que fugiu do nazismo e mudou-se para o lado de baixo do Equador, em 1940. Foi morar em Petrópolis, mas os rumos da guerra levaram-no a cometer suicídio, juntamente com sua esposa Lotte, em fevereiro de 1943.
(Gosto muito de Joseph Fouché - Retrato de um Homem Político, do que eu conheço da sua vasta obra.)
Pois bem: em 2021, enquanto o crescimento demográfico do mundo atingiu 0,9%, no Brasil chegou a 0,5% - quase a metade. Já foi por aqui, de 2,96%, no início da década de 1960. Desde então, o número de filhos e filhas por mulher, no país – taxa de fecundidade – vem decrescendo ano a ano. Era, naquela quadra da nossa história, de 6,3 per capta, chegando a pouco mais de 2,0 na virada da década de 2020. Claro que isso tem relação direta com o conhecimento e a utilização dos métodos anticoncepcionais, sendo a camisinha a campeã de popularidade. Mas não é só isso: criar filhos ficou cada vez mais caro e perigoso.
Por mais que eu entenda os que querem chegar aos 150 anos, e não é o meu caso, não creio que a grande notícia para a espécie humana esteja reservada aos longevos e pretensos intermináveis sobreviventes.
Ela está viva e pulsante, imagino e desejo, no grito de prazer de Riobaldo, o jagunço-filósofo de Rosa:
“Um menino nasceu. O mundo tornou a começar”.

Ricardo Mota