Uma nova pesquisa Datafolha realizada a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que “todas as formas de violência contra a mulher” aumentaram no Brasil em 2022. O levantamento aponta que 50.692 mulheres sofreram violência diariamente em 2022.
Entre as outras formas de violência citadas, as mais frequentes foram as ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças de violências físicas (12,4%), ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto que foi atirado nelas (4,2%) e esfaqueamento ou tiro (1,6%).
Só que denunciar nem sempre é tão simples quanto parece. As vítimas de violência esbarram em algumas situações: falta de apoio familiar, vergonha, medo, dependência financeira, entre outras coisas.
No entanto, apesar de todas as complicações, “denunciar vale a pena”, segundo a advogada especializada em direito das mulheres, Anne Caroline Fidelis.

Ela explicou que a resistência de denunciar vem muito em decorrência de questões culturais e psicológicas, assim como do medo de retaliação e da dependência, seja econômica, seja emocional.
“Mulheres são ensinadas desde cedo a se sacrificarem pelos outros e especialmente por uma ideia sacralizada de família. Sofrer violência, muitas vezes, é ter que lidar com um estigma de uma suposta falta de sabedoria. É receber julgamentos injustos e romper com uma ideia de família que, apesar de violenta, cumpre algum papel social, ainda que hipócrita pois valoriza a forma e não o conteúdo. Romper essas amarras não é fácil, mas vale à pena já que o resultado é ser protagonista da própria história”, acrescenta.
Coragem para denunciar
Uma mulher de 30 anos que pediu para não ser identificada contou ao Cada Minuto que sofreu agressões verbais, psicológicas e físicas durante um relacionamento que teve com o ex-namorado por três anos.
Ela disse que não teve apoio familiar, mas que suas amigas sempre a incentivaram a denunciar. “Eu tinha vergonha, medo e aquele pensamento que não daria em nada”. A vítima buscou a Delegacia da Mulher em Maceió e denunciou o ex, que foi preso.
“Hoje a minha vida é muito mais tranquila sem a presença dele, mas as minhas amigas me fizeram enxergar que ele estava me fazendo mal e que ele não me amava. Quem ama não agride”, contou.
A vítima acredita que demorou para denunciar, mas disse que somente após a agressão física é que teve coragem para ir até a delegacia. “Não é simples denunciar alguém que diz que vai mudar, que promete que vai melhorar, mas que sempre faz a mesma coisa: te violenta, te machuca. Só que eu precisava de apoio, de ajuda, e só após ele me empurrar e me bater, que percebi que precisava denunciá-lo”.
Apesar de ter passado três anos vivendo um ciclo de violência, a alagoana reforçou que denunciar é sempre “a melhor saída”. “Por mais complicado que seja: se você não denunciar, você vai morrer. E eu não acredito que você queira morrer”.
Denúncia evita aprofundamento da violência
A advogada Anne Caroline Fidelis reforçou a importância de denunciar os agressores. “Denunciar é a forma mais eficiente de evitar o aprofundamento da violência. Mesmo diante dos problemas da rede de atendimento e do pós-denuncia, as estatísticas revelam que os feminicídios ocorrem muito mais entre as mulheres que nunca denunciaram”, explica.
E esses problemas da rede de atendimento são reais. Uma mulher contou que não conseguiu fazer o boletim de ocorrência na Central de Polícia Civil de Arapiraca e ainda foi questionada sobre a “necessidade” do registro pelo chefe de operações que estava de plantão.
Ela relatou que foi à delegacia para fazer o boletim contra o ex-marido, que teria ameaçado levar o filho deles colocando-o num carro. Além disso, ela alegou que foi vítima de violência psicológica por parte dele.
Acompanhada de uma amiga, a mulher procurou a Delegacia da Mulher, que estava fechada.
As duas foram até a Central de Polícia para fazer o boletim de ocorrência. De acordo com ela, na triagem, que foi realizada na frente de todos que estavam esperando, a mulher disse que o agente começou a questionar o caso dela.
“Ele começou a dizer que meu caso não configurava agressão porque o meu ex era pai da criança e ele tinha direito de levar a criança para passear. Ele disse que não tinha necessidade de registrar um boletim de ocorrência”, contou a mulher.
Ela enfatizou que sentiu que sua dor foi menosprezada e que ela, a todo momento, se sentiu humilhada. A vítima e a amiga voltaram para a casa, e fizeram o boletim de ocorrência online.
“A vítima denunciou o ex, vai fazer o pedido do divórcio e a entrada na medida protetiva, mas não deixou de denunciar”, contou a amiga dela.
Quem também denunciou o ex-marido foi uma alagoana de 40 anos que também não quis ser identificada na matéria. Ela contou que foi casada com o agressor e que ele sempre apresentou sinais de ser uma pessoa abusiva.
“Só que eu ignorei, achei que era apenas o jeito dele”, disse. Segundo ela, ele começou com ciúmes excessivos, proibindo ela de encontrar as amigas, e depois começou a ameaçá-la dizendo que “se ela não mudasse, ele a deixaria”.
A alagoana disse que ele a colocava como louca e culpada. “Eu não via que ele cometia violência psicológica comigo, estava escrava dele”. Após quase seis anos de casada, ela resolveu denunciá-lo, mas antes, reuniu provas.
“Reuni várias provas de violência psicológica, patrimonial e o denunciei. Precisei de muito suporte jurídico e psicológico para tomar essa decisão, mas fiz. Posso dizer que hoje sou uma mulher mais feliz e sei que não é qualquer homem que pode entrar na minha vida”, afirmou.
Danos emocionais
A psicóloga Diana Moura, especialista em violência contra a mulher, explicou que a vítima de violência doméstica tende a sofrer grandes impactos na sua saúde mental, gerando baixa autoestima, culpa, vergonha, medo, tristeza, depressão, ansiedade, transtorno do pânico, pensamentos suicidas, entre outros.
“O ideal é que a mesma busque, assim que perceber qualquer alteração comportamental e se percebendo também em situação de violência, uma orientação especializada, mesmo quando existir dúvidas”, afirmou.

A especialista também pontuou que a desmistificação da violência é extremamente importante até para que a vítima perceba a relação dela com seu adoecimento e entenda que precisa de ajuda para romper o ciclo.
“A assistência psicológica é um dos serviços mais importantes para a mulher que sofreu ou sofre qualquer tipo de violência. Isso porque dificilmente as mulheres possuem mecanismos necessários para mudarem sozinhas sua realidade e superarem as consequências das situações vivenciadas. É preciso entender que o acompanhamento com psicólogo oferece um ambiente seguro, confiável e livre de qualquer julgamento. Desta forma, ela conseguirá compartilhar suas experiências de sofrimento e receber intervenções pertinentes ao seu caso”, reforça.
Para Diana, a denúncia é o primeiro passo para acabar com o ciclo da violência e buscar uma rede de proteção e acolhimento.
“Não são raros os casos de violência doméstica que terminam com vítimas fatais. É preciso que a denúncia ocorra e os serviços estejam disponíveis para acolher e proteger a mulher vítima de violência, evitando a morte da vítima”, conclui.