Sobre o debate entre a “quantidade” e a “qualidade” dos projetos de lei em um parlamento…

01/02/2023 14:30 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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O blog da jornalista Vanessa Alencar, no dia de ontem, trouxe, por meio da exposição de um fato, um debate em relação às atuações parlamentares que creio muito pertinente, ainda que seja algo que se perca entre as polêmicas (nem sempre com conteúdo) que assolam os parlamentos pelo país afora: a relação entre a quantidade e a qualidade de projetos de leis que são apresentados a cada legislatura.

 

A jornalista chama atenção para o fato do deputado estadual Leonam Pinheiro (União Brasil) ter anunciado que irá protocolar, já no primeiro dia de mandato (hoje), cerca de 180 proposituras legislativas. Destaco ao leitor que aqui não falo de Pinheiro em específico, pois não dá para fazer uma análise com base no número em si, já que se faz necessário avaliar cada uma dessas propostas para saber a relevância delas. Logo, evidentemente, Pinheiro pode (e deve) contribuir com boas ideias no parlamento. O tempo dará essa resposta. Só ele. 

 

É injusto qualquer julgamento precipitado de alguém que se elegeu de forma legítima, com uma representatividade reconhecida dentro de causas que eleitores acharam justas de estarem ali representadas no parlamento. Que ele desenvolva seu trabalho. Desejo boa sorte. 

 

Assim, veremos a “qualidade” desta “quantidade” quando todos esses projetos de leis estiverem postos para serem discutidos. 

 

No entanto, o fato em si traz uma discussão mais ampla. É válido ressaltar que, a cada ano legislativo, na divulgação de seus feitos, os deputados estaduais promovem suas métricas. Entre estas, se encontra a tal “quantidade” projetos de lei. Engana-se quem acha que o número basta para saber se a atuação parlamentar foi boa oui não. 

 

O debate é antigo. 

 

Tanto que o pensador Frédéric Bástiat, em sua obra A Lei, destaca o cuidado em “positivar” tudo em legislação, pois corre-se o risco de colocar mais Estado nas costas do cidadão comum e, por poder de lei, acabar gerando tantos deveres e obrigações que acabem por comprometer liberdades individuais, legislando assim sobre tudo, inclusive costumes. Afinal, como lembra o pensador Richard M. Weaver, “as ideias tem consequências”. 

 

Desta forma, na bsuca por quantidade de leis, como métrica de avaliação do que seria um bom mandato, é preciso que a sociedade esteja atenta a qualidade das leis propostas, seja qual for o parlamentar. Bastiat gostava de firsar a necessidade do espírito da lei proteger sempre o indivíduo do poder coercitivo, que um Estado pode ter ao legitimar todas as suas condutas pelo excesso de leis. 

 

Obviamente, isso não significa dizer que um parlamentar não deva apresentar projetos. Deve sim! Uma das funções do deputado estadual é justamente legislar. Todavia, ele deve ser o primeiro a avaliar – de forma responsável, não meramente midiática ou como métrica de mandato – os impactos de suas propostas sobre a vida dos indivíduos de toda uma sociedade. 

 

Creio e desejo que esta preocupação perpasse as propostas de Leonam Pinheiro, mas friso mais uma vez que – nesse texto – não trato do caso específico, mas sim da reflexão que é aberta pelo texto da jornalista Vanessa Alencar. 

 

Não há motivos para duvidar das boas intenções de Pinheiro, mas há um dito que serve a todos nós, inclusive para este que aqui escreve, ao analisar as próprias ideias: com boas intenções se pode pavimentar caminhos para consequências imprevistas. 

 

Concordo inclusive com a jornalista quando afirma que não faltam leis em Alagoas. De fato, não faltam. Diria até que, escavucando muito do que já foi aprovado por nosso parlamento, acharemos inutilidades que poderiam ser revogadas. Eis aí uma dica para os novos deputados estaduais: fuçar o que pode ser revogado, seja por serem legislações que caducaram ou porque impõem obrigações excessivas. 

 

Quanto ao caso específico de Leonam Pinheiro, ele diz – ao blog da jornalista – que seu pacote de projetos “são pertinentes e necessários para os alagoanos”. Bom, é difícil saber se concordaria ou não com o parlamentar, pois a análise é feita por atacado por parte de quem tem a paternidade dos projetos. Logo, é dever seu defendê-los. Saber o que é pertinente e necessário dentro desse “pacote” é algo que parte da análise de matéria a matéria. 

 

O atacado do pai das ideias não é avaliação mais adequada, mas sim o debate no varejo que se avizinha no próprio parlamento e com a socidade. Espero, de forma sincera, que estas proposituras possam sim ser benéficas para além das boas intenções. 

 

Veremos caso a caso no andar da história da atual legislatura. 

 

Por fim, o deputado “lembra que o papel do deputado estadual é legislar, e é isso é que está fazendo mesmo antes do início do mandato”. Bem, eu diria que uma das funções dentro de um papel (algo mais global) de um parlamentar é legislar. Todavia, o papel do parlamentar (no sentido da essência da atividade exercida por um deputado estadual) extrapola a esfera da legislação, abraçando outras práticas cotidianas que tornam um mandato vivo: como a causa, linha, ideologia e convicções que pautam o deputado dentro de um ambiente plural onde ele representa uma fatia do eleitorado. 

 

Assim, nessa trajetória se faz presente o ato de fiscalizar; de denunciar; de trazer debates relevantes ao nobre espaço da tribuna jogando luz sobre discussões importantes para a sociedade; ser um interlocutor entre grupos sociais organizados e os demais poderes; acompanhar as ações do Executivo e, muitas vezes, ser um “anti-legislador”, na busca por impedir que péssimas leis sejam aprovadas, votando contra estas conforme suas convicções. É muito mais que legislar, muito mais…

 

Que a quantidade possa também se fazer qualidade dentro da atividade de todos os legisladores, em todos os níveis de legislativo (municipal, federal e estadual). Havendo choque entre quantidade e qualidade, que se pense no homem comum e nas consequências de uma lei sobre ele, para então se decidir pela qualidade, pela preservação da liberdade e pela contenção do poder coertivo do Estado para cima do cidadão. 

 

No mais, desejo sorte a Leonam Pinheiro que inicia seu primeiro mandato. Que ele possa ter boas ideias e contribuir com Alagoas, afastando-se dos vícios tão pertinentes em um legislativo. Entre estes vícios, é válido lembrar que se encontra o “poder” de decidir o que pode e o que não pode por meio de uma lei… Toda lei requer cuidado. Elas revelam sua importância no varejo, nunca no atacado. 

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