Tanto quanto a inseparável relação com o espelho, mesmo que metafórico, o narcisista necessita desesperadamente de ser admirado e conquistar popularidade, colecionar seguidores embevecidos, ainda que de uma gente de vida vazia – assim como o próprio mirador das águas calmas do lago profundo.
Muitos arriscam a própria vida para “lacrar” nas suas redes, a mais alienante clausura dos tempos de agora, chegando até mesmo ao destino trágico dos que se julgam imortais mesmo que só por um instante.
Seguramente, o leitor e a leitora já se depararam com uma notícia de acidente fatal que vitimou alguém, gente comum como eu e você, ao fazer uma selfie no alto de uma montanha ou à beira de um precipício. Claro, era a busca de curtidas e da popularidade sonhada. Mas chegam mesmo é ao destino mais banal e inevitável dos homens, a que deram celeridade.
É claro que a internet levou à superfície, mais do que qualquer outro invento humano, a face trágica e tola da nossa espécie, sendo a arma mais mortal para um superego frouxo, que não resiste aos primeiros compartilhamentos.
Mas eis que a história da Humanidade traz roteiros tão risíveis quando assustadores, confirmando que a definição de tragédia ou comédia é só uma questão de ponto de vista – daquele que enxerga o desenrolar do enredo.
Dois pequenos relatos que podem ilustrar a nossa conversa.
Empédocles, (490 a.C. a 430 a.C.) não foi um filósofo qualquer na prolífica Grécia antiga. Ele ficou conhecido como o autor da Teoria dos Quatro Elementos - água, terra, fogo e ar, de onde derivam todas as coisas do nosso mundo. Diga-se em seu favor que ele era um ferrenho defensor da Democracia, o que então, assim como hoje, faz uma imensa diferença. Mas eis que Empédocles, afirmou Diógenes Laércio, tinha a pretensão de se tornar um deus, amado e reverenciado para todo o sempre.
O que fez para merecer essa inestimável condição?
Atirou-se na boca do vulcão Etna, na Sicília. Dele não se teve mais notícia, diz o seu biógrafo, salvo uma sandália do nosso filósofo que o boca de forno teria cuspido de volta. A fofoca filosófica dá conta de que Empédocles pretendia mesmo era dar um golpe publicitário: faria de conta que ia mergulhar, mas permaneceria do lado de fora do fogo das profundezas. Não voltou, por óbvio, e nem teve ao menos como fazer sua selfie.
Fez mal a si mesmo, está posto. Não foi o caso, porém, de Heróstrato, que em 21 de julho de 356 a.C. rumou em busca dos louros da posteridade. Morava na alma do talzinho o desejo patológico da popularidade eterna. Queria fazer algo que a história não apagasse e que sempre fosse relacionado ao seu nome.
E fez.
Incendiou o Templo de Ártemis, em Éfeso, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, na data acima mencionada. Confessou, o anti-herói, que queria mesmo era ser lembrado pelo feito. E, olha, teve até algum sucesso na sua pretensão: a psiquiatria trata como Síndrome de Heróstrato a busca enlouquecida pela popularidade.
Graças a essa fragilidade da alma humana está sendo possível identificar vários personagens cujas ações criminosas revelam o perigo que eles representam para cada pessoa que acredita que não deve haver “liberdade” para os que querem acabar com a liberdade de todos.
Claro, estou falando dos terroristas que assaltaram Brasília, em 8 de janeiro. Há de tudo: profissionais do crime, fascistas convictos, pessoas comuns, frustrados/ressentidos, tolos e hipócritas – todos, está óbvio, exibicionistas que não abriram mão da vaidade, do desejo de serem vistos pelos seus, agora e depois, como dignos de admiração.
Contrariando a máxima que diz que o criminoso sempre volta à cena do crime, vários deles não conseguiram nem conseguirão ao menos abandoná-la – o que seria prudente, no momento -, presos que estão em suas próprias redes (sociais): rostos, gestos, ações e loucura, tudo fixado no espelho das suas almas.
A história do Brasil há de dar-lhes o seu definitivo nome, algo de que a descendência não se orgulhará.