Que ninguém se engane: não existe mal-entendido nas redes sociais. A literalidade das “interpretações” mostra, em regra, o ponto a que chegamos do chamado analfabetismo funcional, bastante espalhado entre letrados de classe média.

Neste caso, impulsionado pela sofreguidão e pela convicção de que, sim, cada um de nós é um virtuoso, um julgador capacitado das fraquezas humanas.

Quem tiver suas ironias, que as exercite no universo privado, o que vale para quem se permite ter um ambiente só seu e dos seus. Há um internauta frequente deste blog que avisa ao final do seu comentário: “Contém ironia”. Poderia ser até em néon, piscando, que ainda assim não se livraria dos torpedos inimigos. 

Na semana que passou, mais uma vez, vi o linchamento virtual de uma pessoa (uma mulher jovem) que imaginou que uma brincadeira, ainda que de mau gosto, não lhe traria tamanho desassossego. Mesmo sem conhecê-la, confesso, me apiedei da personagem que viralizou um vídeo nas redes sociais, num diálogo que ela pretendia inofensivo com a pessoa que trabalha na sua casa. Um pecado venial com direito a pena capital, decretada pelo Tribunal do Facebook

Cá para nós: é bem própria desses tempos, a crença espalhada pelo planeta de que uma vida banal e tão igual há de ser interessante para todo o resto da humanidade. É quando o narcisismo freudiano perde para essa turma que se descobriu imprescindível.

Mesmo num universo, digamos, mais sofisticado, fugindo das coisas do cotidiano, há problemas. Um amigo querido e sinceramente interessado em sugerir boas leituras, boa música e bons filmes, já se deu conta – ainda que continue a apresentar suas sugestões – de que as redes sociais são um meio tóxico, em que furibundos se sentem à vontade para externar seu ranço e seu rancor. As frustrações nem sempre são identificadas pelo dono, mas o ressentimento a elas usa venda na hora de atacar. O que importa é desferir o golpe - a esmo, mas que seja certeiro.

No mais, me pergunto: em que a minha pobre vida privada, que eu prefiro que assim continue, há de interessar a desconhecidos, ainda que eu venha vesti-la de fantasia e crie um personagem do sonho de tantos? Atrair “milhões” de espécimes humanos de vida vazia não me parece um caminho saudável – em qualquer tempo ou lugar.

Converso diariamente com poucas pessoas fora do “ambiente” do trabalho (home office, no meu caso). Sou cada vez mais seletivo com os meus afetos, e defendo que as pessoas sejam assim comigo também – me ignorem quando consideraram que já não lhes trago nada que valha a pena. Eu faço isso e sem nenhum remorso.

Por exemplo: hoje, confesso, excluo celeremente – independentemente de laços passados - quem critica aquele que lhe dá as costas num dado momento. Quem fala mal de muitos, certamente, vai falar mal de você também. Para que se expor a esses personagens fartos, que pululam no nosso cotidiano? Com eles fiquemos no contato protocolar, superficial, de sorriso civilizado – quando muito e só se for necessário.

Não levo a sério os "amigos" beija-flores, ainda que sejam agradáveis no contato ligeiro, que saem circulando de jardim em jardim, mudando de turma ao sabor da correnteza. O gosto pela diversidade é sua motivação? Não creio. Deixemos isso para os muito jovens. 

Confiança e sinceridade nas relações pessoais demandam tempo, convivência e conquista. E a essa altura da minha vida, é mais fácil perder um amigo – por ausência física – do que ganhar uma nova e sincera relação de amizade. Gozo a convivência, na frequência possível, com aqueles que já se instalaram feito um posseiro entre os meus bem-quereres, acreditando que há uma honesta reciprocidade nos afetos adquiridos - eis um clássico da máxima “o menos que vale mais”.

Respeitemos a todos, ainda que não nos toquem animicamente, mas só haveremos de gostar mesmo daqueles e daquelas com quem trocamos qualidades e gostos que julgamos merecedores da nossa atenção. Os defeitos estão no pacote, é verdade, assim como a tolerância de duas vias a eles.

Aos que acham que ter poucos amigos é não ter amigos, lembro uma deliciosa historinha da MPB, tendo como protagonistas Vinicius de Moraes e Tom Jobim, seu par musical mais-que-perfeito. Tom era pianista de uma conhecida boate no Rio, no início da carreira, apesar de já ser conhecido nos EUA, pela sua nascente e impactante obra. Um músico de jazz americano aportou por aqui e quis ouvi-lo tocar, para checar se ele era "aquilo tudo", mesmo. Vinicius foi o seu anfitrião e teve de ouvir, com revelado desgosto, o comentário desabonador:

- Ele toca poucas notas. 

- É porque ele só toca as melhores. 

Parafraseio Vinícius, ao falar dos meus – poucos – amigos.

Mas quem sentiu seu orgulho ferido por esta observação cabotina, presunçosa, peço calma! Estou convencido de que você também encontrará as melhores notas para tocar a sua vida.