Os enganos na história da humanidade sempre são associados a coisas ruins, principalmente quando os erros são coletivos.

Só que às vezes, ainda que sejam raras, eles acontecem com resultados positivos para a maioria do povo. É o caso claro da queda do muro de Berlim, em 1989.

Mas antes do fato, vamos voltar a fita.

Embora a memória coletiva, pela força do revisionismo histórico, vá apagando aos poucos algumas verdades incontestáveis, ninguém minimamente informado pode negar que foi a União Soviética a responsável direta pela derrota de Hitler e suas tropas, armas sofisticadas e sua preparação esmerada na tradição militar alemã.

Os soviéticos foram os primeiros a entrar em Berlim, em abril de 1945, que já estava em ruínas, resultado dos bombardeios dos aliados. Tentavam sobreviver, por lá, em meio aos escombros, principalmente os velhos, as crianças e as mulheres – e estas tiveram um papel fantástico na reconstrução do que foi possível na cidade.

A banda oriental da Alemanha, sabe-se, ficou sob o controle da URSS, e diferentemente do que muita gente acha, o novo país, a República Democrática Alemã (?) não é resultado apenas do poderia soviético, mas teve apoio maciço dos sofridos comunistas alemães (submetidos também à humilhação, no pacto Molotov-Ribbentrop), tendo sido enviados, na sequência, aos primeiros campos de concentração - dentro da própria Alemanha. Numerosos intelectuais e artistas optaram por morar no lado oriental, mas tiveram motivos de sobra para se arrepender, após sentir a mão pesada da Stasi - a polícia secreta da tal “República Democrática”.

O lado ocidental, é bom esclarecer, só teve algum ganho efetivo a partir de 1948 – três anos após o final da guerra -, quando os EUA resolveram estender à Alemanha o auxílio econômico do Plano Marshall , em curso desde o ano anterior, beneficiando Inglaterra, França e Itália, países que ficaram com a maior parte dos investimentos e ajuda financeira.

A nova guerra, batizada de "fria", se dava, principalmente, através da propaganda. Enquanto a grana americana jorrava no lado ocidental, os soviéticos cobravam as reparações econômicas em sua zona, chegando a desmantelar e transferir para a Rússia muitas fábricas que ficaram em pé no território alemão.

Só em 1952, a Alemanha Oriental fechou suas fronteiras com o Ocidente, mas os moradores dos dois lados continuaram a viajar para lá e para cá, através do transporte público de Berlim. Finalmente, em 13 de agosto de 1961, a Alemanha Oriental fechou as estações de trem e construiu o Muro, símbolo de um tempo que os alemães querem esquecer.

A barreira que separava os familiares e conterrâneos começou a cair na Hungria – que fazia parte do bloco soviético -, que em maio de 1989 decidiu remover a cerca que a separava da Áustria. Isso, claro, após uma forte mobilização popular. Ato contínuo, alguns meses depois, a Hungria abriu oficialmente essa fronteira, pela qual alemães vindos do lado oriental fugiam - inclusive através da então Tchecoslováquia.

O protesto popular atravessou a fronteira, chegando à Alemanha Oriental. A resposta do governo comunista propiciou o tal engano: anunciou que iria emitir permissões para viagens diretas ao lado ocidental – sob seu controle, evidentemente. 

Só que o anúncio na TV saiu carregado de equívocos. O principal deles: o oficial escalado para a missão disse que a permissão seria imediata. Era engano, mas tornou-se a verdade histórica. Em desabalada carreira, os alemães, principalmente jovens, entenderam que a ordem era bater pernas para a terra  proibida.  

No dia 9 de novembro de 1989, e as imagens registradas pelas câmeras de televisão não deixam dúvidas, a separação chegava ao final. Só em 3 de outubro do ano seguinte, foi oficializada a reunificação da Alemanha.

Terminou nas ruínas de Berlim o que teve início nas ruínas de Berlim.