Advogado especialista em Direito Público explica diferença entre Lei Rouanet e shows contratados por prefeituras

18/06/2022 13:58 - Especiais
Por Mara Santos
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A contratação de grandes shows musicais por prefeituras tem sido um assunto muito comentado na mídia e redes sociais nos últimos dias. O tema tem gerado discussão desde que o cantor sertanejo, Zé Neto, declarou durante um show, no Mato Grosso, que não dependia da Lei Rouanet e que o cachê da dupla que ele forma com Cristiano, era pago pelo povo.

Após as declarações do cantor, o cachê pago a dupla foi divulgado, os cantores receberam a bagatela de R$ 400 mil. Desde então, cachês de outros cantores, inclusive com valores milionários, pagos sem licitação, por prefeituras de pequenas cidades do Brasil foram revelados e questionados.

Uma polêmica ainda maior foi a que envolveu o canto Gusttavo Lima. Ele teria recebido um cachê de R$ 800 mil da prefeitura de São Luiz, em Roraima, que tem apenas 8 mil habitantes. O cantor teve um show no valor de R$ 1,2 milhão cancelado, após a repercussão. Os dois contratos são investigados pelos Ministérios Públicos estaduais e o cantor se defendeu, nas redes sociais, afirmando que nunca foi beneficiado com dinheiro público.

Em Alagoas, após as fortes chuvas que caíram no estado gerarem prejuízos e deixar desabrigados e desalojados em diversos municípios, o Ministério Público também ficou de olho nos gastos das prefeituras com apresentações artísticas, tanto pela situação de emergência decretada pelos Municípios, quanto pelo alto valor das contratações.

Toda a polêmica levantou dúvidas sobre as diferenças entre a Lei Rouanet e as contratações de shows com valor alto, e sem licitação, pelas prefeituras. Para esclarecer essa diferença, o CadaMinuto conversou com o advogado Elmanuel de Freitas Machado, do escritório especialista em Direito Público, Lima e Machado advogado.

Especialista em direito administrativo e com vasta experiência em gestão pública municipal, Elmanuel Machado, esclareceu que, conforme a Lei, a aquisição e bens e serviços pela administração pública deve ocorrer por meio de um prévio procedimento licitatório. No entanto, há uma exceção, também prevista em lei, que prevê a contratação direta, definida como “inexigibilidade de licitação”.

“Nos casos de inexigibilidade há inviabilidade de competição e nos casos de dispensa, apesar da possibilidade de competição, a licitação frustraria o interesse público e, por isso mesmo, revela-se lícita a utilização do expediente da contratação direta”, explicou o advogado.

Segundo Elmanuel, nos casos de contratação direta de artista e outros serviços, os municípios realizam a despesa pública com os recursos chamados de “recursos próprios”. Os Recursos Próprios são aqueles arrecadados diretamente pelo município, os recursos recebidos das transferências Constitucionais (parte do produto da arrecadação da União e Estado são transferidos para o município por força da Constituição) e das transferências Voluntárias (recursos arrecadados pela União e Estado e que são transferidos para o município através de compensações financeiras, programas, convênios e emendas parlamentares).

“A contratação direta de artistas não pode ser paga com recursos cuja destinação já possui rubrica específica, como as destinadas às ações de saúde, educação e assistência social”, alerta.

O advogado conta que o Tribunal de Contas de Alagoas (TCE/AL), por ter identificado uma “grande incidência de irregularidades nas contratações de bandas, grupos musicais, profissionais ou empresas do setor artístico pelos órgãos e entidades municipais”, tem expedido recomendações para formalização da contratação de artistas para os festejos locais.

De acordo com a Corte de Contas alagoana, a realização de eventos custeados com recursos públicos somente é justificável nas hipóteses de tradição municipal, de efetivo incremento de receitas decorrentes de atividade turística ou em razão de interesse público relevante. Neste sentido, a realização de eventos com a participação de artistas deve observar, sobretudo, os princípios da Administração Pública, as normas constitucionais e legais, evitando excesso de gastos com contratações e assegurando o equilíbrio das contas públicas do Município.

“As contratações de artistas sem a observância dos parâmetros legais podem ensejar a aplicação de multa ao gestor, determinação de ressarcimento ao erário e/ou a responsabilização por outros atos de improbidade administrativa, quando for o caso”, esclareceu Elmanuel.

Lei Rouanet

O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) foi instituído em 23 de dezembro de 1991 durante a gestão de Fernando Collor, e ficou conhecido como Lei Rouanet, em referência ao então Ministro da Cultura Nacional, Sérgio Paulo Rouanet (fundador do projeto). A Lei prescreve que pessoas físicas e jurídicas podem patrocinar exposições, exposições, livros, museus, galerias, entre outras atividades artísticas, abatendo o valor total ou parcial de seu Imposto de Renda.

O advogado Elmanuel Machado Lima, diz que, apesar de uma dedução fiscal do governo, conseguir o recurso da Lei Rounet não é tão fácil e que nas contratações de artistas pelas prefeituras, é o próprio prefeito quem decide como gastar os recursos públicos.

“Na Lei Rouanet, o grupo que quiser pleitear o financiamento, precisa submeter ao governo a proposta, detalhando todos esses custos. Somente após a aprovação do projeto, feito por pareceristas, funcionários contratados especificamente para esse fim, é que o artista pode ir atrás do dinheiro que ainda precisa ser captado entre as empresas ou com pessoas físicas por meio de doações ou patrocínios. Em contrapartida, o nome da empresa pode aparecer na publicidade do projeto. No final, o artista precisa prestar contas de tudo o que fez, detalhando exatamente como cada centavo foi gasto. O que não acontece nas contratações de artistas por prefeituras”, frisou.

Nos casos das contratações públicas, a lei estabelece que, se forem artistas de notoriedade em território nacional, pode-se dispensar um procedimento de concorrência, você não dispensa a licitação em si.

“A prefeitura elabora um termo de referência, onde ela vai dizer que artista ela quer contratar, por quais motivos, o que vai acontecer, qual vai ser o show, para que data, se é uma data comemorativa da cidade ou não. Os artistas apresentam propostas para execução daquele show, naquele determinado dia e, a partir daí, a prefeitura dá prosseguimento. Caso todas as certidões estejam regulares, aprova-se, então, e é realizada a contratação. Mas daí, é a contratação de um serviço em específico. Obviamente existe fiscalização dos órgãos internos de controle de municípios, estados e tem uma fiscalização acentuada por parte do Ministério Público e tribunais de contas”, finalizou Elmanuel.

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