Em AL e no país, número de crianças em trabalho infantil pode ser sete vezes maior que dados oficiais

13/06/2022 06:12 - Especiais
Por Vanessa Alencar e Gabriela Flores
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No Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil (12 de junho) deste ano, os dados oficiais mais recentes acerca do assunto em Alagoas e no país estão defasados, pois são do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019, anterior à pandemia. Na ocasião, o documento apontava a existência de 25.372 crianças e adolescentes em situação de trabalho precoce no Estado. No Brasil, o número chegava a aproximadamente 1,8 milhão de crianças. 

“Infelizmente, estimativas globais indicam que, atualmente, esse número pode ser até sete vezes maior, segundo um estudo realizado pela World Development Indicatords (WDI), que mediu a subnotificação do trabalho na infância. Isso implicaria em reconhecer a existência de quase seis milhões de crianças e adolescentes em trabalho infantil no Brasil”, alertou a procuradora do Trabalho Cláudia Soares, coordenadora Regional do Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-AL). 

Em entrevista ao CadaMinuto, a procuradora explicou que há diversas formas de trabalho “invisibilizadas e de difícil constatação em dados oficiais, como o trabalho infantil doméstico, o tráfico de drogas, o trabalho informal e em logradouros”: “Mesmo com a ausência de dados oficiais, sabemos que a pandemia, para além da crise sanitária, trouxe consigo uma crise social e econômica, provocando um aumento expressivo da vulnerabilidade social das famílias alagoanas, com o aumento do desemprego, da informalidade, da evasão escolar, em razão do fechamento das escolas, e da desigualdade social, fatores esses que são diretamente relacionados ao aumento dos casos de trabalho infantil no intuito de sobrevivência”. 

Cláudia citou como parâmetro de análise ainda um estudo realizado pela Unicef na cidade de São Paulo, entre abril e julho de 2020, mostrando o impacto da pandemia em famílias vulneráveis chefiadas por mulheres e a intensificação do trabalho infantil em 21% das famílias que receberam doações da organização no mesmo período. “Nessa perspectiva, inevitavelmente, Alagoas deverá acompanhar as estimativas globais de aumento do trabalho precoce”, pontuou. 

A coordenadora lembrou ainda que o trabalho infantil no Brasil tem cor e classe social. “Em 66% dos casos, o trabalho é realizado por adolescentes negros, pretos ou pardos, assim como por crianças e adolescentes pobres e de periferia. Com esses dados fica fácil perceber que a naturalização, no Brasil, do discurso de que ‘trabalhar cedo enobrece e forma caráter’ é fruto de um racismo estrutural, de uma permissividade da sociedade em abreviar as infâncias negras, de consentir com a violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, pretos, negros e pobres”. 

Rede de apoio  

A procuradora conversou também sobre a rede de proteção à infância em Alagoas, formada por um conjunto de entidades, profissionais e instituições, incluindo o Poder Público, a sociedade civil, os Conselhos Tutelares, as Promotorias e Varas da Infância e Juventude, a Defensoria Pública, o Conselho de Direitos da Criança e Adolescente, MPT, o Ministério do Trabalho e Previdência, Fóruns Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil, educadores sociais, profissionais que trabalham em entidades sociais, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), policiais das delegacias especializadas, além de integrantes de entidades de defesa dos direitos humanos da criança e adolescente. 

“Ao falarmos em rede de proteção devemos ter em mente diversos fios que convergem e formam um todo emaranhado. Cada fio, pode ser representado por uma instituição, órgão ou por um ente da sociedade civil, que tem uma função específica dentro da rede de proteção. Mas, para que esse conjunto de fios funcione efetivamente e passe a compor um todo orgânico e funcional, precisa de uma articulação e comunicação permanente, precisa de integração, a rede precisa ser entendida como uma teia de comunicação permanente”, prosseguiu Cláudia, destacando que o grande desafio para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, e o fortalecimento da rede de proteção, é a atuação dessa rede em permanente articulação. 

Denúncia e prevenção 

Por meio do Disque 100 qualquer pessoa pode denunciar violações de direitos humanos, das quais seja vítima ou tenha conhecimento, dentre elas, uma situação de trabalho infantil.Por esse serviço, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebe e encaminha a denúncia aos órgãos de proteção à criança e ao adolescente, a exemplo do MPT. O serviço é gratuito e funciona diariamente, 24 horas. 

As denúncias também podem ser realizadas no site da Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região (https://www.prt19.mpt.mp.br/), na aba “Denúncias” e ainda pelo aplicativo “MPT Pardal”. 

Cláudia Soares explicou que é importante que a denúncia seja realizada de forma qualificada, ou seja, que traga o máximo de informações sobre a situação de trabalho infantil encontrada, como o endereço, o estabelecimento, o horário, a atividade que exercia, a idade aproximada das vítimas, enfim, os subsídios necessários à realização da fiscalização pelos órgãos de proteção. 

Segundo a procuradora, uma vez constatada a situação de trabalho infantil de crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos ou de adolescentes com idade entre 16 e 17 anos em condições ou atividades proibidas pela lei, o primeiro passo é o afastamento imediato do trabalho e o pagamento das verbas trabalhistas devidas, no caso de existir um explorador identificado (quando não se tratar de trabalho infantil em regime familiar). 

Cláudia Soares 

“As vulnerabilidades de cada família e de seus membros são avaliadas a fim de se determinar, caso a caso, a necessidade de atendimento, seja pelo PAIF, ofertado pelo CRAS, ou pelo PAEFI, oferecido pelo CREAS. Como o trabalho infantil é uma violação de direitos, a família pode ser acompanhada por algum dos dois serviços para que seja pactuado o Plano de Acompanhamento Familiar, com o estabelecimento de objetivos e encaminhamentos para alcançá-los”, completou.  

Diversas ações voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil poderão ser adotadas a partir da constatação do trabalho precoce e da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, mas a procuradora ressalta que, mais do que pensar em repressão para os casos de trabalho infantil, devemos trabalhar com a prevenção: “A criança e o adolescente devem estar a salvo de todo o tipo de violência, opressão e violação a direitos, com absoluta prioridade de ações a serem desenvolvidas, pelo Estado, pela família e pela sociedade”. 

Citando a campanha do MPT desse ano, em parceria com a OIT e o FNPETI, intitulada “Proteção Social para combater o trabalho infantil”, Cláudia analisou que, nessa perspectiva, é imprescindível a formatação de políticas públicas de transferência de renda, de programas de empregabilidade, a capacitação e profissionalização do próprio núcleo familiar, que é quem tem o dever de prover o sustento daquela família: “Precisamos pensar em como amparar essas famílias, que precisam sobreviver dentro de uma crise global, de natureza econômica, social e política, uma vez que a vulnerabilidade social das famílias é um dos grandes fatores para o aumento dos índices de trabalho infantil”. 

Jovens aprendizes 

Dentro da prevenção citada acima, a responsável pela Coordinfância do MPT, frisou que a aprendizagem profissional é um poderoso instrumento de combate ao trabalho infantil, notadamente em relação aos jovens em vulnerabilidade social. Segundo ela, dados apontam que 74% das situações de trabalho infantil são relacionadas a adolescentes com faixa etária entre 13 e 17 anos que têm buscado precocemente a sua inserção no mercado de trabalho, seja se engajando em atividades informais, seja prestando serviços em um negócio familiar. 

“Temos, então, desenhado um novo perfil do trabalhador infantil brasileiro, o adolescente que busca a sua independência ou no intuito de sobrevivência, diversamente do perfil anterior a 2019, que se caracterizava em sua maioria por crianças envoltas nas piores formas de trabalho. Nessa perspectiva, fica claro o papel da aprendizagem no combate ao trabalho infantil ou ao trabalho desprotegido, como um dos instrumentos dispostos pela legislação para enfrentar a precariedade do trabalho infantil e combinar educação e qualificação no trabalho, permitindo que os jovens tenham garantias trabalhistas, segurança e uma remuneração adequada. A aprendizagem, torna-se, assim, uma saída para jovens em vulnerabilidade social e um caminho para a profissionalização e de ingresso protegido no mercado de trabalho, após o resgate”, avaliou Cláudia.  

A procuradora do Trabalho mencionou ainda a necessidade de garantir o cumprimento efetivo da legislação protetiva acerca do tema. Além da legislação nacional, Alagoas possui uma legislação própria do Jovem Aprendiz, um conjunto de três leis – de autoria da deputada estadual Jó Pereira - voltadas à efetivação da cota de aprendizagem no Estado. 

As leis são as seguintes: 8.269/2020, estabelecendo que só serão concedidos benefícios fiscais, dentro do Prodesin, para empresas que cumpram a Cota de Aprendizagem estabelecida em legislação federal; 8.280/2020, que autoriza o Estado a instituir o Programa Jovem Aprendiz de Alagoas; e Lei 8287/2020, que determina a obrigatoriedade do cumprimento da Cota de Aprendizagem como pré-requisito para que empresas participem de processos licitatórios realizados pelo governo. 

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