Às vezes eu me pergunto o que os leitores e leitoras deste espaço, aos domingos, acham da insistência do blogueiro em trazer questões que envolvem algum conhecimento científico – eu diria rudimentos – e sempre citar autores que tratam dessa matéria fundamental.
Sim, porque a crônica está associada, desde sempre, ao cotidiano e/ou à poesia, e não parece, em regra, que a ciência zele pela poesia. Aliás, Richard Dawkins, biólogo e polemista, dizia do seu desafeto e também biólogo evolucionista Stephen Jay Gould, que ele fazia “ciência poética”. Uma crítica duríssima, para o meio, apesar de eu considerá-la a mais elegante de que tenho conhecimento.
Só que, eis minha confissão, tenho tanta admiração pelos cientistas e divulgadores da ciência quanto a dedico aos meus romancistas e poetas preferidos. Desde que eu me deparei com os ensinamentos das “leis da Natureza”, nunca mais perdi a curiosidade pela extensa temática abordada por estes indivíduos tão especiais quantos os cientistas e seus tradutores.
Ainda tenho, creiam, a obra completa de Cosmos (em DVD), de Carl Sagan, pioneiro na divulgação científica, e já li (além de possuir) todas as suas publicações no Brasil, incluindo Contato, seu único livro de ficção, que embasou o excelente filme homônimo – que eu revejo sempre que tenho saudade.
De todos esses autores, entretanto, o que se tornou uma paixão definitiva para mim foi Jared Diamond. Lê-lo é se surpreender a cada página e, ao contrário do que se possa imaginar, sentir-se um monumento à ignorância, que ele vai tratando de remediar com uma clareza apenas possível aos grandes mestres.
Tenho pouca coisa de valor material, mas a sua obra completa é um dos meus tesouros. Sempre que alguém me pede uma sugestão de livro de temas científicos, o primeiro que me vem à cabeça – e à boca – é Armas, germes e aço. Aqui, me perdoem os do lado de lá, cabe com perfeição a palavra epifania. A cada capítulo. É degustá-lo e se sentir parte de um todo, a que nem sempre enxergamos na correria do dia a dia.
Lembrei-me de Jared Diamond, por esses dias, por causa de um dos assuntos do momento na questão da saúde pública: a varíola do macaco. Ela veio, haveria de dizer o nosso polímata, conforme o “previsto”. Em uma visita ao Brasil, em plena pandemia - agosto de 2021 -, Diamond fez uma palestra em São Paulo e avisou:
- Há outros vírus só esperando para emergir. Temos algo como 30 milhões de espécies de animais por aí, e cada um desses animais tem suas próprias doenças.
E nos faz um desafio: “Você pode apostar que elas vão continuar aparecendo enquanto os seres humanos tiverem contato com animais.”
Em Armas..., o cientista reconta a história da Civilização, a partir do meio ambiente, somando informações de biologia, geografia, antropologia, arqueologia, linguística e desenvolvimento tecnológico - tudo acessível aos homens e mulheres comuns, entre os quais eu me incluo com convicção.
Um dos capítulos mais importantes da obra de Diamond diz respeito ao processo de colonização do “novo mundo”, esse lado do planeta habitado por uma diversidade humana inigualável.
No nosso caso, explica ele, os germes foram inimigos fatais, aliados dos colonizadores europeus, principalmente, que tiveram com eles tempo de convívio suficiente para desenvolver sua imunidade. Partindo sempre, voltamos ao conceito, da transferência desses bichinhos que estão aí na natureza, em convívio com suas espécies hospedeiras, para os humanos.
A varíola, por exemplo, a doença infectocontagiosa mais letal nas Américas, nós fomos buscar no gado vacum, assim como o sarampo e a tuberculose. A gripe veio dos porcos e dos patos, a coqueluche dos porcos e dos cães – e por aí segue, numa lista que não se imagina quando terá fim. (Num exemplo mais recente: a Aids, que nos foi cedida por macacos africanos.).
Estou convencido de que o nosso personagem, em tudo admirável, não é antropocêntrico: não haverá de achar que a Natureza existe para servir ao homem (uma monumental bobagem). E não por acaso, ele deposita na espécie de que fazemos parte e que tanto criticamos a responsabilidade pelo que está posto e pelo que virá. Para ele, “os problemas globais que podem matar todos nós e arruinar nossas economias” são a mudança climática, a escassez de recursos e a desigualdade.
É o que somos e o que podemos ainda ser, se não nos confrontarmos com o espelho da nossa alma -
com coragem.
Fiquemos, então, com Públio Terêncio Afro, de quem o internauta e amigo Antônio Carlos Barbosa vive a lembrar:
"Nada do que é humano me é estranho.”
Cá para nós, estranhos somos nós para nós mesmos.

Ricardo Mota