O papel de Jó Pereira na ALE: não é novidade, apenas há maior liberdade de ser oposição

06/06/2022 12:09 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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A atuação da deputada estadual Jó Pereira (PSDB) dentro da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas passou a incomodar ainda mais o grupo emedebista, em especial ao presidente da Casa de Tavares Bastos, o deputado estadual Marcelo Victor (MDB). 

 

Quem acompanhou a Coluna Labafero, por exemplo, viu que o presidente da Casa se irritou pela constância com a qual Jó Pereira se refere ao governador Paulo Dantas (MDB) como “governador tampão”. 

 

Todavia, não é de hoje que Jó Pereira incomoda com seus discursos e falas, como quando no MDB, em passado não tão distante, chegou a ser chamada de “opositora” pelo “emedebista-silencioso-inexpressivo-e-sumido” deputado estadual Olavo Calheiros, o tio do ex-governador, Renan Filho (MDB).

 

Desta vez, não é o rótulo de “tampão” em si que incomoda, pois tampão é aquilo que Dantas é, ainda que seja um governador legitimo, pois foi escolhido dentro das regras. Mas isso não elimina o fato dele (Dantas) ser um chefe de Executivo eleito de forma indireta, por um grupo resumido de eleitores (os próprios deputados), por meios legais, mas que escancara um acordo político, que transformou o Palácio República dos Palmares em um governo de muitas mãos.

 

Em um oxímoro quase chestertoniano, o legítimo tem sua legitimidade questionada. E faz sentido...

 

O fato é que ser um “governador tampão” – diante desse contexto – é ser o ocupante da principal cadeira do Palácio República dos Palmares com uma série de interesses envolvidos. 

 

Dantas não é o líder de seu próprio grupo. Logo, dentro desses interesses, o Palácio passa a ser liderado por quem tem compromisso com outros tantos “líderes”. Um desses “líderes” – já classificado como “líder solitário” por Jó Pereira – é o “professor de Deus” e ex-governador Renan Filho. 

 

Desta forma, nasce um governo de muitos donos. O rótulo de “governador tampão” ressalta justamente isso. Induz o ouvinte a uma narrativa que tenta trazer para Dantas o significado “brazuca” da expressão “Rainha da Inglaterra”. Se verdade ou não, aí é outra história. Eu até acho que não, pois – mesmo com uma série de críticas a Dantas – reconheço que ele tem se esforçado na busca pela identidade própria.

 

Mas as narrativas são construídas da forma como ensinava Marchado de Assis, no conto “O segredo do Bonzo”: há duas realidades, a da opinião construída e a da verdade. Na da verdade, pode prevalecer a da opinião; mas na da opinião, pode ser eliminada a verdade. Logo, o mais importante – no jogo do convencimento – é a retórica que estabeleça uma narrativa desgastante ao adversário.

 

Assim fez Jó Pereira, como a torneira que não fecha por completo, mas fica pingando e irritando, deste jeito, o ouvinte: “governador-tampão”, “governador-tampão”, “governador-tampão”...

 

Marcelo Victor, o encanador de plantão diante da torneira incontrolável, se irritou e acabou causando um estrago pior, pois agora a expressão surgiu na mídia de enxurrada, não apenas pelos pingos no plenário. 

 

É evidente que Pereira é irônica ao usar o termo e, com ele, retomar críticas que sempre fez à gestão do ex-governador Renan Filho (MDB) dentro da continuidade deste Executivo com Paulo Dantas. 

 

A diferença é que Jó Pereira, agora, não se encontra mais no MDB. A diferença agora é que o grupo ao qual ela faz parte trabalha para que ela seja a vice do senador Rodrigo Cunha (União Brasil) na disputa pelo governo do Estado de Alagoas. Cunha é um dos principais rivais de Paulo Dantas na eleição vindoura. Desta forma, Jó Pereira amplifica e escancara um papel que sempre teve, ainda que antes de forma tímida: o de opositora ao MDB e ao ex-governador. 

 

Antes, por ser do MDB e por seu bloco político ter espaço no governo, Jó Pereira precisava ser cirúrgica nas críticas, tanto que evitava o rótulo de “opositora” para se dizer “independente”. Agora, não precisa mais disso. Claro que o grupo do qual faz parte, sabendo disso, pode até estimular Jó Pereira a ir para a tribuna com posições mais enfáticas e que provoquem a treta. É do jogo. 

 

Os aliados de Pereira sabem que por trás do incômodo com a expressão “governador tampão”, se encontra a “dor” de saber que Jó Pereira se refere ao chefe do Executivo estadual, Paulo Dantas, como alguém que tem muitas satisfações a dar aos que costuraram o acordo para lá ele estar onde se encontra: o próprio Marcelo Victor, o senador Renan Calheiros e o ex-governador Renan Filho. 

 

O incômodo, portanto, não é nem ser “tampão”, mas as condições em que se é “tampão”, e como isso pode ser usado pela oposição na retórica política, nas narrativas. 

 

Mas, Jó Pereira não se encontra livre de levar invertidas em função da retórica que usa. Afinal, o bloco no qual se encontra tem semelhanças com o bloco político combatido por ela: o deputado federal Arthur Lira (Progressistas), o principal aliado de Pereira, é também uma criatura fisiológica desta fauna. 

 

É válido lembrar que – em novembro de 2021 - Lira já ensaiou a aliança política com Marcelo Victor sem objeções a candidatura de Dantas, caso não houvesse a aproximação com os emedebistas. Na época, Marcelo Victor era do União Brasil. 

 

Resgato uma fala de Arthur Lira lá no início das negociações, ainda no ano passado: “Meu compromisso, claro e público, com o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Victor é de que se o governador se afastar de seu mandato, eu acompanharei a escolha do nome da Assembleia Legislativa. Se o governador ficar no mandato, que eu aposto, a escolha [do candidato] será minha e o presidente da Assembleia Legislativa apoiará o nome que eu escolher”. A fala do deputado federal foi dada em novembro do ano passado, em vídeo. 

 

Lira segue: “Se o governador Renan Filho se afastar do cargo e a Assembleia escolher o tampão, o deputado Paulo Dantas tem nossa amizade, simpatia e carinho. É um deputado muito querido e só precisa ser mais conhecido no estado de Alagoas, mas quem o conhece sabe como ele atua. Ele deve e pode ser o nosso candidato”.

 

O problema é que Marcelo Victor (tão fisiológico quanto qualquer um outro dos seus semelhantes), na sequência, fechou de vez com o MDB. Morreu qualquer possibilidade de aliança com Arthur Lira. Logo, perdeu o União Brasil. 

 

O deputado federal do Progressistas articulou um outro rumo, abraçando o senador Rodrigo Cunha (União Brasil). Cunha – apegado à imagem marqueteira do bom-mocismo eterno – evita abraçar Lira tanto quanto é abraçado, mas se aproxima de Jó Pereira com total força. Afinal, a parlamentar tem uma imagem sólida e construída por méritos próprios, diante de uma atuação invejável. Pereira foi sim uma das melhores parlamentares desta legislatura.

 

Mas, como na política alagoana, o passado e as contradições devem ser esquecidos rapidamente, atualmente Jó Pereira ganhou toda a liberdade que não teve antes para alfinetar o “governador tampão”. Com essa liberdade, eis que também surgem os espaços para que ela seja confrontada pelas contradições internas de seu grupo e do principal líder deste. Afinal, os adversários circunstanciais de agora foram cogitados como aliados circunstanciais de antes. Se Dantas, o tampão, chegou aonde chegou, teve – lá em 2021 – a anuência também de Lira que o havia avaliado como uma possiblidade.

 

A pré-candidatura de Paulo Dantas foi “fabricada” por uma série de fatores que o fez sair da simples condição de um deputado quase inexpressivo a um competitivo nome na disputa pelo governo. Entre estes fatores, a oposição de hoje achar que um leque amplo era possível em Alagoas diante das fragilidades de um ex-governador que só escuta a si mesmo, feito Narciso a beira do lago.

 

A crítica aqui não é a deputada estadual Jó Pereira, que tem mantido – no meio da selva – a coerência de seu mandato. A crítica é ao fato dos grupos políticos que disputam o poder em Alagoas tentarem se mostrar diferenciados pelas narrativas, mas padecerem de vícios semelhantes. Tanto que os hoje inimigos podem ser amanhã aliados... 

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