Em seu derradeiro livro, Gratidão, Oliver Sacks fez um balanço da sua agitada vida, que chegava ao final, e ele o sabia. Em tom de desabafo, ainda que sereno, o neurologista afirmou que não ia mais prestar atenção em política ou nas discussões sobre aquecimento global:
- Não é indiferença, é distanciamento.
Sacks morreu de câncer – “a tristeza das células”, na definição de Jaime Ovalle – pouco tempo depois da publicação da sua despedida, em 2015. E como foi um grande cientista e escritor (O homem que confundiu a mulher com um chapéu e Um antropólogo em Marte são prazer garantido), certamente contribuiu para que entendêssemos um pouco mais sobre os homens e, consequentemente, sobre a política - merecia, portanto, o necessário repouso ante tanto mau humor.
Sim, porque de todas as coisas importantes da vida, a política é aquela, assim entendo, que devemos encarar, nunca fugindo dela, com absoluta racionalidade, rejeitando as paixões, não sucumbindo às emoções rasteiras e primitivas – fatais, neste caso.
Do lado do indivíduo, é preciso saber de pronto que não se faz amigos na seara política – inimigos, sim, e aos borbotões. Do ponto de vista coletivo, é aprender que nessa atividade humana vale o que parece - nunca o que é, o que o tal do Nicolau já havia alertado há quase 500 anos.
A questão climática é um pouco mais complicada, e, apesar de despertar tantas paixões, exige disposição para buscar algum conhecimento, mesmo que a sensação de fome persista. Dá trabalho, é verdade, mas, pela importância do tema, há de valer a pena esquentar e torrar alguns neurônios.
E até para evitar ficar furibundo, como um velho conhecido, de quem não tinha notícia há muito, um sujeito cordial e manso que virou uma “matadeira” nas redes sociais. “Vagabundos”, “canalhas”, “ladrões”, e lá está ele, para minha surpresa, a desfilar seu persistente e repetitivo vocabulário contra a vacina, as urnas eletrônicas e o aquecimento global – um homem típico do seu tempo, o século XVI, a quem Machado de Assis abrigaria, com louvor, na Casa Verde, mas que resolveu coabitar com os contemporâneos.
“Como falam em aquecimento global se até neve cai no Brasil?” Eis a descoberta genial do personagem, “a pergunta que não quer calar” entre os da sua tribo, e que ele joga nos peitos dos crédulos "imbecis", "bandidos", "ladrões" (imaginem o tal no seu trono doméstico).
Não vou me atrever aqui a tentar explicar nem mesmo aquilo que já é consenso entre os cientistas, até com alguma ruidosa contestação, principalmente de alguns líderes políticos, que não devem ser muito ouvidos neste debate – aqui cabe a máxima do sapateiro.
Mas o multicientista Jared Diamond dedica um capítulo inteiro de Reviravolta (bom como todos os seus demais livros) ao tema do “aquecimento global”. Que, aliás, ele esclarece, deve ser nomeado como “mudanças climáticas”. E aquilo que o furibundo redista definiu como coisa de “vagabundos”, Diamond listou como uma das principais consequências das alterações que nós, humanos, temos ajudado a perpetrar no planeta - para além da “tendência média de aquecimento”, e com ela rivalizando:
- São os extremos climáticos: as tempestades e as enchentes estão aumentando, os picos de alta temperatura estão mais quentes e os picos de baixa temperatura estão mais frios, produzindo efeitos como uma tempestade de neve no Egito e uma onde fria no Nordeste americano.
Se Diamond, que conhece da matéria, admite que ela é “complicada, confusa e cheia de paradoxos”, torna-se impossível, para mim, ousar explicá-la numa crônica domingueira - mas fica a dica. É melhor procurar aprender um pouco que seja do que se revoltar com aquilo que não entendemos e que não cabe num tuíte. Prefiro sempre subir nos ombros de gigantes.
O tema é empolgante, mas exige de nós aquilo que nem sempre estamos dispostos a fazer, principalmente se formos “vagabundos”. A questão ambiental é relativamente nova para a Humanidade. A preservação das florestas, por exemplo, que a Europa e a Ásia trataram de destruir, pela ignorância, é muito recente. Surge com força na Alemanha do século XVIII, um pouco depois apenas do Japão. Lembrando que a comunicação e disseminação do conhecimento, então, eram muito lentas. “Tacar fogo” nas florestas, hoje, aí, sim, é uma confissão de culpa e aceitação da nossa estupidez.
Até do ponto de vista puramente pragmático para o homem, a conservação da diversidade é fundamental para a nossa sobrevivência. A cura do câncer, por exemplo, pode estar ali - “basta” encontrá-la. Afinal, na Natureza tudo nasce ao acaso, mas nada vive ao acaso.
Quanto ao homem - eita espécie ruinzinha e de tanta gente boa -, continua avançando no domínio desta mesma Natureza, mas não consegue conter a própria natureza.

Ricardo Mota









