Como ficar dentro de casa para se proteger da contaminação do novo coronavírus se você não tem uma casa pra ficar? Essa é a situação da população de rua em Maceió. Ao andar pelas ruas, a sensação que se tem é que houve um aumento da população de rua durante a pandemia. De acordo com a Casa de Ranquines, entidade que oferece apoio e acolhimento à população vulnerável, são pelo menos 5 mil pessoas sem ter onde ficar ou comer.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a estimativa entre fevereiro e março do ano passado, momento de eclosão da pandemia, era de 221 mil pessoas em situação de rua no país. Os dados apontam que esse número aumenta diariamente diante das dificuldades enfrentadas durante o período de pandemia.
A Casa de Ranquines funciona atualmente em dois abrigos de passagem. Um localizado na Ladeira da Catedral, no Centro, e outro no bairro de Jaraguá, em frente à Praça Dois Leões, que recebe diariamente, em média, 400 pessoas em situação de rua.
Ao Cada Minuto, uma das administradoras do local fala sobre o surgimento da Casa e duas pessoas que estavam em situação de rua relataram como a chegada da pandemia afetou o cotidiano e foram abrigados na casa de passagem de Maceió.
Irmã Joana, de 36 anos, sendo 15 de vida religiosa, juntamente com Frei João, é uma das administradoras da Casa de Ranquines. Ela conta que o lugar surgiu no início da pandemia devido a demanda de pessoas que precisavam de acolhimento. “Começamos na Rua do Sol, mas o espaço era pequeno e não suportava a quantidade de pessoas em situação de rua que nós tínhamos”.
“Quando surgiu a frase ‘fica em casa’, começamos a pensar: e as pessoas que vivem em situação de rua em que casa vão ficar? Então a gente teve a ideia de pedir que a prefeitura cedesse um colégio emprestado, pois naquela época as aulas tinham sido suspensas e não havia previsão de volta”, explica.
A responsável conta que percebeu um aumento no número de pessoas em situação de rua devido à pandemia. “Temos atualmente 280 pessoas na Casa. Depois que servimos a eles, ainda temos um número grande que se forma do lado de fora para comer todos os dias. Já chegamos a contar 40 pessoas lá fora para se alimentar”.
Inicialmente, a entidade se mantinha com uma verba federal que foi entregue à Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) para ajudar pessoas em situação de rua durante a pandemia, mas que só era suficiente para alimentação. Apenas no final do ano passado, a verba começou a gerar empregos através da contratação de monitores e cozinheiras.
Atualmente a verba não é mais federal, mas estadual, através do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep). Foram disponibilizados em torno de R$ 1.9 milhão para trabalhar durante um ano, até março de 2022. “Quando se fala em dinheiro parece muito, mas na prática reduz bastante”.
Ela afirma que só para alimentação são gastos ao menos 2 fardos de cuscuz, 30 caixas de ovos e 60 kg de frango para alimentar a todos. Além da alimentação especial para os hipertensos que vivem no local. “Mas nós nunca negamos a moradia a ninguém que vem atrás. Se fosse pra gente não acolher já era pra ter parado e estamos tentando abrir mais espaço”.
Além disso, há algumas exigências para que essa verba seja gasta. “Podemos usar para pagar as contas de aluguel, energia, água, entretenimento com internet, alimentação, gás de cozinha. Mas o dinheiro que paga aos monitores, corpo técnico, psicólogos, assistentes sociais e administração não pode sair dessa verba”.
A religiosa expõe que o maior problema enfrentado atualmente é a falta de doações e mais verbas. “Do ano passado para cá diminuiu bastante o número de doações. Se você buscar vai ver que a maioria das entrevistas eu estou pedindo todas as vezes. As pessoas acham que mesmo ganhando essa verba é suficiente, mas um dono de casa sabe o quanto é que se gasta”.
Ela destaca, ainda, os homens são maioria na Casa. “O maior número hoje em situação de rua é o homem, temos 3 andares só para eles. O espaço que a gente tem pra mulher e casais é mínimo”.
A Irmã acredita que as principal razão para as pessoas estarem nas ruas é a desestruturação familiar. "A maioria, se você for falar aqui, vai chegar na raiz do problema que é a família. É normal você conversar com alguém aqui e a pessoa contar que sofreu um abuso sexual de um familiar”.
Acolhido na pandemia
Josenildo Moreira, de 59 anos, conta que chegou no abrigo há um ano e quatro meses, logo no início da pandemia. Ele começou a viver em situação de rua, após a separação de um casamento frustrado e foi acolhido pela instituição, onde venceu o alcoolismo.

“Minha vida antes era a rua, bebida, mas Deus colocou uma pessoa no meu caminho e em uma conversa surgiu a ideia de vir para cá, se não fosse isso hoje em dia eu estava no alcoolismo”, comentou.
Josenildo diz que após o divorcio ganhou outra família ao ser acolhido pela Casa de Ranquines e atualmente vive uma vida melhor. “O dia a dia aqui é maravilhoso, porque aqui nós somos uma família, hoje em dia não sofro mais”, conta.
Acolhida após perder o emprego
Quem tinha renda fixa para sobrevivência também não conseguiu escapar da crise e acabou sem ter onde morar, como é o caso de Macicleide, que hoje em dia é funcionária da entidade. Ela conta que morou no Rio de Janeiro e em Espírito Santos, mas precisou voltar para Alagoas após perder o emprego durante a pandemia.
“Por motivo de desemprego causado pela pandemia tive que voltar para Alagoas, mas Deus faz tudo no seu tempo, se não fosse a pandemia eu não estaria na minha casa, com minha filha, meu esposo e nem com trabalho”, conta.

Segundo ela, o instituto que atende mais de 400 alagoanos em situação de vulnerabilidade faz um papel importante, principalmente durante o período de pandemia, onde um grande número de pessoas perdeu a moradia e hoje em dia vivem sem renda.
“Não tem comparação a minha vida de antes e a de hoje, tudo que eles fizeram foi bom para mim. A casa hoje é mãe, recebe todas as pessoas, ajuda e muitas pessoas além de mim tiveram a mesma oportunidade e hoje só tenho que agradecer”, relata.
*Esatagiárias sob a supervisão da editoria