A CBF confirmou que a série B do campeonato brasileiro terá o uso do VAR a partir do segundo turno de 2021. Parece ser a inevitável chegada do futuro. Mas será que times e jogadores da segundona estão prontos para o árbitro de vídeo?

De forma geral, os grandes centros mundiais têm uma compreensão bastante clara e objetiva das 17 regras do futebol. Assim, o uso da tecnologia é apenas uma ferramenta para aplicá-las, auxiliando o árbitro em campo. Mas na América Latina, com o Brasil em destaque, o futebol tem um quê de jogo de truco ou poker, com diversas tentativas de driblar as regras através de simulações, muitas vezes grotescas. Tentar cavar um pênalti é como blefar nas cartas: você procura enganar o próximo para ganhar uma vantagem. No poker, iludir é algo permitido e até celebrado no dia internacional do blefe. No futebol, porém, fingir uma falta é uma infração da regra, sem nenhuma efeméride associada.

Esse deveria ser o primeiro grande impacto do VAR na série B – a diminuição das simulações. Mas o verbo no futuro do pretérito sugere que pode não ser bem assim. As faltas são sempre infrações subjetivas, dependentes do julgamento do árbitro. E faltas simples não são revisáveis, a menos que o juiz de vídeo julgue ser violenta o bastante para um cartão vermelho. Ou seja, simulações leves, fora da grande área, continuam no menu.

É possível então imaginar que ao menos na área penal não haverá mais simulações. Novamente, uso o futuro do pretérito. Ao julgar pelo que vimos na Série A, o que deve acontecer são lances bem mais coreografados. Sabendo da presença do VAR, os boleiros malandros têm criado o “pênalti de replay”. Em uma disputa na área, o atacante joga a bola para um lado, longe do gol, e procura um contato, ainda que mínimo, com o defensor. Segue-se a tradicional queda, rolagem no gramado e agoniante grito de dor. O juiz, na dúvida, vai olhar o monitor, e vê a bola se afastando e pernas se chocando, sugerindo que o atacante iria driblar (ainda que a redonda estivesse indo para a bandeira de escanteio), e foi cruelmente derrubado. Tudo é visto em câmera lenta, o que aumenta o drama. Um árbitro impressionável cai na lorota, e aponta para a cal.

Outra modalidade de pênalti que cresceu com o uso do vídeo, ao menos no Brasil, foi a mão na bola. Com quinze lentes gravando cada jogada, começou-se a ver toques de mão como nunca. E as múltiplas imagens do VAR abastecem o árbitro de dúvidas, mais do que de certezas.

 

Mais um ponto importante é o árbitro em si. É normal que as divisões inferiores tenham um nível técnico um pouco mais baixo, e isso vale também para quem apita. Muitos deles são novatos que necessitam de preparação e carregam uma insegurança natural. O mesmo vale para o juiz de vídeo. Será que as equipes de arbitragem farão bom uso da ferramenta? Gostaria de pensar que sim. Mas novamente uso o futuro do pretérito.

Ao menos os impedimentos mal marcados vão desparecer, certo? Bem, certamente os banheiristas terão problemas, mas aqui e ali ainda será possível ver algumas gafes. A tecnologia às vezes falha, como em um jogo do Vasco da Gama contra o Internacional, no qual o VAR não conseguiu traçar as linhas de impedimento por má calibragem do equipamento. Ou situações bizarras como na partida do Fluminense contra o Cerro Porteño, no qual o árbitro de vídeo demorou mais de três minutos para marcar as linhas e anular um gol do time da casa, sem perceber que, ao dar zoom, havia tirado da tela um outro jogador que dava condições de jogo.

No final, VAR na Série B é uma boa ideia, pois vai de fato reduzir injustiças. Mas que ninguém imagine arbitragens perfeitas, ou sequer o fim das polêmicas. É da natureza latina misturar o esporte com teatro, e não creio que essa filosofia vá mudar tão cedo. Poderia, mas nosso futebol ainda é jogado no futuro do pretérito, e não no futuro do presente.